I. Introdução
I. INTRODUÇÃO
Entre as competências legais previstas para atuação da Anatel está a avaliação do relacionamento entre as prestadoras de serviços de telecomunicações e seus usuários, sejam eles pessoas físicas ou jurídicas, de forma a estabelecer um ambiente saudável para a prestação de serviços com qualidade e que promova investimentos sólidos e duradouros, garantindo uma conectividade significativa e que permita à população brasileira não somente o acesso, mas uma experiência online segura, satisfatória, enriquecedora e produtiva com preços acessíveis.
Nesse sentido, a Agência, no âmbito da Agenda Regulatória para o biênio 2023-2024, aprovada pela Resolução Interna nº 182, de 30 de dezembro de 2022, estabeleceu a iniciativa regulatória nº 6. Tal iniciativa refere-se à avaliação quanto à necessidade de regulamentação sobre deveres dos usuários dos serviços de telecomunicações, nos termos do artigo 4º, em especial o seu inciso I, da Lei Geral de Telecomunicações – LGT (Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997).
Essa incumbência ganha especial relevância no ambiente da nova economia digital quando se verifica que a própria LGT trata os prestadores de serviços de valor adicionado - classificação ampla, que inclui os serviços suportados pelas redes de telecomunicações, a exemplo das plataformas digitais - como usuários (art. 61, § 1º).
Enfatiza-se ainda que a referida iniciativa regulatória contribui para o atingimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU), que constituem-se em compromisso assumido por todos os países que fizeram parte da Cúpula das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável, em 2015, a qual contempla os 193 Estados-membros da ONU, incluindo o Brasil. Conforme disposto no sítio eletrônico da Organização das Nações Unidas no Brasil (https://brasil.un.org/pt-br/sdgs):
Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável são um apelo global à ação para acabar com a pobreza, proteger o meio ambiente e o clima e garantir que as pessoas, em todos os lugares, possam desfrutar de paz e de prosperidade. Estes são os objetivos para os quais as Nações Unidas estão contribuindo a fim de que possamos atingir a Agenda 2030 no Brasil.
São 17 (dezessete) os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) que compõem a Agenda 2030, conforme figura abaixo:
Em continuidade ao processo de Análise de Impacto Regulatório (AIR) que se iniciou com a publicação da Tomada de Subsídios nº 13, de 2023, na presente Tomada de Subsídios, segunda realizada no âmbito da investigação preliminar para a avaliação e diagnóstico do contexto regulatório em que se insere a presente iniciativa, a Agência busca promover um diálogo com todos os interessados para, partindo de hipóteses de problema e alternativas preliminares, reunir evidências (dados e fatos baseados em informação crível) para a continuidade do processo de AIR e a formação de convicção sobre os problemas regulatórios envolvidos e as estratégias de solução de tais problemáticas. Repisa-se que o processo de tomada de subsídios deve auxiliar no atingimento dos objetivos indicados no planejamento estratégico da Anatel para os anos 2023-2027. Entre tais objetivos estratégicos destacam-se, no escopo da presente discussão, os seguintes: “1. promover a conectividade e a prestação de serviços de comunicação com qualidade para todos” e “3. fomentar a transformação digital junto à sociedade em condições de equilíbrio de mercado”. Mais informações sobre o plano estratégico da Anatel podem ser acessadas em https://sistemas.anatel.gov.br/anexar-api/publico/anexos/download/e3241ae37bc6426b6042e1baef5b6259.
Assim, espera-se contribuições a esta Tomada de Subsídios por meio de respostas às questões apresentadas abaixo e no decorrer do Avaliação Preliminar da Problematização da Análise de Impacto Regulatório apresentada a seguir, com o maior nível de detalhamento e embasamento possível, para que a Anatel possa instruir a AIR com base em evidências e dados substanciais e suficientes.
Ressalta-se a importância do envio de dados e evidências quantitativas e/ou monetizadas para o desenvolvimento da Análise de Impacto Regulatório (AIR) tendo como base uma sólida base de evidências para a identificação dos problemas regulatórios e a proposição de alternativas que, de fato, os solucionem e atinjam os objetivos propostos para a ação regulatória. Nesse sentido, a Anatel garantirá o sigilo, nos termos da Lei, das informações, dados e evidências encaminhadas, as quais poderão ser encaminhadas também pelo Sistema Eletrônico de Informações da Anatel (SEI-Anatel), nos autos do processo nº 53500.003894/2023-10. Por outro lado, dados e evidências encaminhadas que não necessitem ter o sigilo resguardado devem ser encaminhados por meio do Sistema Participa Anatel.
Feitas essas considerações, são apresentadas a seguir um conjunto geral de questionamentos que orientam a presente Tomada de Subsídios, no sentido de que indicam as informações que a Agência deseja receber acerca da avaliação preliminar da etapa de problematização da AIR.
Box 1 - Pergunta 1
Box 1: Perguntas gerais para coleta de evidências (válidas para todas as hipóteses de problema apresentadas na sequência deste documento).
Pergunta-se:
1) A situação-problema inicialmente proposta reflete corretamente o cenário e a complexidade da iniciativa regulatória definida na Agenda Regulatória? Se sim, que dados e evidências corroboram com a situação-problema aventada? Se não, que dados e evidências indicam que a situação-problema deve ser revista? Justifique sua resposta com dados e análises quantitativas.
Box 1 - Pergunta 2
2) Os temas e subtemas inicialmente propostos para decompor a situação-problema nas suas diversas perspectivas relevantes refletem corretamente o cenário e a complexidade da iniciativa regulatória definida na Agenda Regulatória? Se sim, que dados e evidências corroboram com os temas e subtemas propostos? Se não, que dados e evidências indicam que os temas e subtemas devem ser revista? Justifique sua resposta com dados e análises quantitativas.
Box 1 - Pergunta 3
3) As hipóteses de problema estão corretamente definidas? Se sim, que dados e evidências corroboram com o problema aventado? Se não, que dados e evidências indicam que a hipótese de problema deve ser revista ou mesmo excluída? Justifique sua resposta com dados e análises quantitativas.
Box 1 - Pergunta 4
4) Os objetivos da ação regulatória estão corretamente definidos? Se sim, que dados e evidências corroboram com os objetivos definidos? Se não, que dados e evidências indicam que os objetivos devem ser revistos? Justifique sua resposta com dados e análises quantitativas.
Box 1 - Pergunta 5
5) As alternativas identificadas para cada hipótese de problema identificada cobrem adequadamente todas as possibilidades de endereçamento? Se houver alternativas não mapeadas, que dados e evidências substanciariam as alternativas adicionais? Se não, que dados e evidências indicam que as alternativas devem ser revistas? Justifique sua resposta com dados e análises quantitativas.
II. Situação-Problema
II. SITUAÇÃO-PROBLEMA
Na metodologia da Análise de Impacto Regulatório (AIR), assim como no contexto da seguinte avaliação preliminar, entende-se um problema regulatório como “aquele que resulta em distorções no funcionamento do mercado ou em limitação no alcance de objetivo público específico, demandando a tomada de decisão pela agência, órgão ou entidade reguladora”[1]. A identificação dos problemas regulatórios, na AIR, engloba uma fase de problematização, ou de análise e definição do problema.
As etapas do processo de análise e definição do problema:
1) Contextualização do problema regulatório.
2) Descrição do problema principal, sua magnitude e suas consequências.
3) Identificação e análise das causas raízes.
4) Levantamento de evidências.
5) Identificação e consulta aos agentes afetados.
6) Descrição dos objetivos geral e específicos da atuação regulatória.
7) Identificação da base legal que ampara a atuação da Agência.
Na etapa de contextualização do problema regulatório, se identificam as circunstâncias a partir das quais se considera o problema, o ambiente no qual ele está inserido. Na maioria dos casos, a construção do problema regulatório, parte do que se denomina por situação-problema. Dessa forma, a problematização parte da situação-problema, seu contexto, histórico, consequências e sintomas observados, avaliando-se causas ou efeitos destas causas.
Na presente avaliação preliminar partiu-se da seguinte situação-problema:
Situação-Problema:
Riscos de desequilíbrio entre prestadores de serviços de telecomunicações e provedores de SVA com possibilidade de reflexos na conectividade e no ecossistema digital.
Box 2 - Pergunta 6
Box 2: Situação-Problema.
Pergunta-se:
6) O texto da Situação-Problema definido para a presente Análise de Impacto Regulatório (AIR) preliminar precisa ser revisado ou alterado? Se sim, que dados e evidências corroboram sua afirmativa? Se não, que dados e evidências indicam que a Situação-Problema não precisa ser revista ou alterada? Justifique sua resposta com dados e análises quantitativas.
III. Temas e Subtemas
III. TEMAS E SUBTEMAS
A Situação-Problema, conforme proposta acima, foi então avaliada por meio da estruturação de uma árvore de problemas, elencando causas e consequências da hipótese agregadora levantada, sendo o conjunto de causas identificadas utilizadas como base para a definição dos temas da AIR, que se subdividem em subtemas, cada uma desses identificando uma hipótese de problema, objetivos e alternativas preliminares.
Figura 1 – Árvore de problemas simplificada
Da árvore de problemas indicada acima, verificam-se que os temas elencados são os seguintes abaixo:
Tema 1: Impacto nas redes de telecomunicações.
Tema 2: Desequilíbrio regulatório entre agentes do ecossistema digital.
Tema 3: Desequilíbrio da proteção dos consumidores nos ambientes tradicional e digital.
Tema 4: Indícios de competição desequilibrada entre os atores do ecossistema digital.
Tema 5: Desequilíbrio entre os investimentos cabíveis a cada agente do ecossistema digital com vistas à expansão e à sustentabilidade da infraestrutura de rede.
Tema 6: Desequilíbrio entre os distintos agentes do ecossistema digital quanto a medidas de transparência.
Em seguida serão abordados cada um desses temas, indicando seus subtemas, com as respectivas hipóteses de problema, objetivos e alternativas.
Box 3 - Pergunta 7
Box 3: Temas e subtemas.
Pergunta-se:
7) Os temas estão corretamente definidos para a presente Análise de Impacto Regulatório (AIR) preliminar? Se sim, que dados e evidências corroboram sua afirmativa? Se não, que dados e evidências indicam que os temas e subtemas devem ser revistos? Justifique sua resposta com dados e análises quantitativas.
Tema 1 - 1.1 Contextualização do Tema
Tema 1: Impacto nas redes de telecomunicações
1.1 Contextualização do Tema
A Lei Geral de Telecomunicações (LGT), Lei nº 9.472, de 16 de junho de 1997, prevê o dever dos usuários de utilizarem adequadamente os serviços, equipamentos e redes de telecomunicações (art. 4º, I).
O Regulamento Geral de Direitos do Consumidor de Serviços de Telecomunicações (RGC) atualmente em vigor, aprovado pela Resolução nº 632, de 7 de março de 2014, dispõe sobre os direitos e, também, os deveres dos consumidores, nos seguintes termos:
Art. 4º São deveres dos Consumidores:
I - utilizar adequadamente os serviços, equipamentos e redes de telecomunicações;
II - respeitar os bens públicos e aqueles voltados à utilização do público em geral;
III - comunicar às autoridades competentes irregularidades ocorridas e atos ilícitos cometidos por Prestadora de serviço de telecomunicações;
IV - cumprir as obrigações fixadas no contrato de prestação do serviço, em especial efetuar pontualmente o pagamento referente à sua prestação, observadas as disposições regulamentares;
V - somente conectar à rede da Prestadora terminais que possuam certificação expedida ou aceita pela Anatel, mantendo-os dentro das especificações técnicas segundo as quais foram certificadas;
VI - indenizar a Prestadora por todo e qualquer dano ou prejuízo a que der causa, por infringência de disposição legal, regulamentar ou contratual, independentemente de qualquer outra sanção; e,
VII - comunicar imediatamente à sua Prestadora:
a) o roubo, furto ou extravio de dispositivos de acesso;
b) a transferência de titularidade do dispositivo de acesso; e,
c) qualquer alteração das informações cadastrais.
A regulamentação reitera os deveres de utilização adequada dos serviços, dos equipamentos e das redes, e impõe aos consumidores dos serviços de telecomunicações a obrigação de respeitar os bens públicos, de comunicar às autoridades irregularidades e ilícitos cometidos por prestadoras de serviços de telecomunicações, de cumprir as regras contratuais, além de regras relacionadas à obrigatoriedade do uso de equipamentos certificados. Ademais, pela regulamentação atual cabe aos consumidores o dever de prestar informações à prestadora quanto a seus dispositivos de acesso e eventuais alterações de cadastro.
Além dos consumidores dos serviços de telecomunicações, também se encontram na posição de usuários das redes os provedores de SVA, entendido como aquele que acrescenta utilidades a um serviço de telecomunicações, conforme art. 61 da LGT:
Art. 61. Serviço de valor adicionado é a atividade que acrescenta, a um serviço de telecomunicações que lhe dá suporte e com o qual não se confunde, novas utilidades relacionadas ao acesso, armazenamento, apresentação, movimentação ou recuperação de informações.
§ 1º Serviço de valor adicionado não constitui serviço de telecomunicações, classificando-se seu provedor como usuário do serviço de telecomunicações que lhe dá suporte, com os direitos e deveres inerentes a essa condição.
§ 2º É assegurado aos interessados o uso das redes de serviços de telecomunicações para prestação de serviços de valor adicionado, cabendo à Agência, para assegurar esse direito, regular os condicionamentos, assim como o relacionamento entre aqueles e as prestadoras de serviço de telecomunicações.
A LGT define o SVA, diferenciando-o dos serviços de telecomunicações, e assegura o direito ao uso das redes de telecomunicações aos provedores desse serviço, nos termos da regulamentação da Anatel.
Assim, não há dúvidas de que a Anatel tem competência para dispor sobre os deveres dos usuários das redes de telecomunicações, sejam estes consumidores ou provedores de SVA.
O Marco Civil da Internet (MCI), Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014, estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil, bem como determina as diretrizes para atuação da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios em relação à matéria.
Dentre os deveres previstos no MCI, estão aqueles atribuídos aos provedores de conexão e de aplicações de Internet, que devem prestar, na forma da regulamentação, informações que permitam a verificação quanto ao cumprimento da legislação brasileira referente à coleta, à guarda, ao armazenamento ou ao tratamento de dados, bem como quanto ao respeito à privacidade e ao sigilo de comunicações (art. 10, 3º).
Os provedores de aplicações de internet de que trata o MCI enquadram-se no conceito de provedores de SVA, como designou a LGT.
Dessa forma, observa-se que não cabe somente às prestadoras de serviços de telecomunicações, o provedor de conexão a internet conforme disposto no MCI, garantir a segurança e confiabilidade das redes, mas também aos seus usuários.
Na Tomada de Subsídios nº 13, de 28 de março de 2023, foram apresentadas informações sobre o uso das redes que suportam a prestação dos serviços de telecomunicações, e, com o objetivo de instar a sociedade a se manifestar sobre vários aspectos deste uso que podem ter impacto no funcionamento das redes, foram colocadas as seguintes questões:
3.2 Questões relacionadas ao uso das redes de telecomunicações
15) Uso indevido das redes de telecomunicações é vedado na LGT, porém, é verificado em diversas atividades irregulares, como, por exemplo, o uso massivo sem intuito de comunicação, a pirataria de conteúdo audiovisual, entre outros. Nesse contexto, que aspectos do uso das redes de telecomunicações devem ser observados no estabelecimento da regulamentação sobre o uso indevido das redes?
16) O uso massivo de recursos de redes de telecomunicações tem provocado discussões sobre as obrigações dos grandes usuários utilizadores das redes. Quais aspectos devem ser abordados para buscar uma utilização racional dos recursos?
17) Quais aspectos do uso abusivo de recursos das redes de telecomunicações por usuários de serviços de telecomunicações devem ser tratados?
18) Como seu grupo econômico está se adaptando à demanda crescente por vídeo nas redes de dados? Nesse sentido, novos modelos de negócio ou adaptações a suas plataformas de distribuição de conteúdo estão sendo planejadas ou mesmo implementadas? Há planos de implementar estratégias de plataformas tecnológicas – físicas ou lógicas - centradas na distribuição de conteúdo? As estratégias definidas diferem em relação a terminais móveis e fixos? Qual a participação do consumo de conteúdo audiovisual para cada um desses segmentos, fixo e móvel?
19) A confiança nas redes e aplicações dentro do ambiente digital é fundamental para tornar esse ecossistema mecanismo transformador da sociedade, sendo a segurança cibernética elemento essencial que perpassa diversas camadas do ecossistema digital, com os agentes nesse ambiente tendo competências e recursos tecnológicos distintos para tratar das diferentes fraudes e vulnerabilidades. Quais aspectos e mecanismos podem ser considerados para cada tipo de agente no ambiente digital de forma a trazer efetividade no combate às fraudes e confiança na utilização de redes, serviços e plataformas?
20) Quais aspectos devem ser considerados no contexto da proteção dos dados pessoais dos cidadãos brasileiros tanto pelas prestadoras de serviços de telecomunicações quanto aos provedores de SVA, caracterizados como usuários de serviços de telecomunicações nos termos da LGT, em especial dos grandes usuários, em especial em seu relacionamento, considerando a interação e colaboração da Agência com outros órgãos competentes no tema?
As respostas a estes questionamentos foram analisadas e as principais contribuições relacionadas ao uso das redes podem ser resumidas nas ponderações abaixo apresentadas.
Parte das contribuições indicou a necessidade de a regulamentação prever de forma objetiva as práticas que constituiriam uso indevido de redes, uso inadequado dos serviços de telecomunicações e dos recursos de remuneração, enquanto outras apontaram para a dificuldade de se estabelecer previamente quais práticas se enquadrariam nestas definições.
As ameaças cibernéticas, o vazamento de dados pessoais, dentre outras práticas que podem comprometer a estabilidade e a confiabilidade das redes foram enumeradas como ações de uso indevido das redes de telecomunicações.
Foram apresentadas contribuições no sentido de considerar o uso massivo como uso indevido das redes, enquanto outras contribuições afirmaram que só deve ser considerado indevido o uso das redes que prejudique seu funcionamento.
Neste sentido, foi questionada a existência de evidência de uso indevido das redes por provedores de SVA, uma vez que a demanda por tráfego partiria dos usuários das redes de telecomunicações, e não dos provedores de conteúdo. O uso massivo de redes, então, não seria causado por provedores de SVA, de modo que não faria sentido atribuir-lhes a responsabilidade pelo aumento do tráfego de dados, ou enquadrá-los como “grandes usuários” das redes.
Parte das contribuições apontou também que a pirataria, no sentido de violação de direitos autorais e na cadeia produtiva do mercado audiovisual, deve ser considerada como uso indevido das redes.
Foram apresentadas contribuições, ainda, no sentido de ser competência do Poder Judiciário a definição de uso abusivo ou indevido das redes, em especial quando se tratar de práticas ilegais.
Observou-se, adicionalmente, que o dever de uso adequado das redes de telecomunicações estaria previsto no art. 4º, I, da LGT, de modo que seria necessária apenas a atuação da Anatel para o cumprimento desta regra.
Como sugestões para mitigar o uso indevido ou abusivo das redes, foi proposto aplicar aos provedores de SVA o arcabouço regulatório de telecomunicações que tem por objetivo a segurança das redes de suporte aos serviços de telecomunicações, além da implementação de medidas para a educação e a conscientização dos usuários.
Ainda com o sentido de combater o uso indevido das redes, propôs-se a coordenação e o planejamento integrados entre prestadoras de serviços de telecomunicações e grandes provedores de SVA.
Considerando todo o contexto exposto na Tomada de Subsídios nº 13/2023, além das contribuições apresentadas em resposta aos questionamentos relacionados com o uso das redes de telecomunicações, foram identificadas três hipóteses de problema, que podem ser objeto de estudo no presente projeto.
A primeira delas está relacionado ao uso inadequado das redes de telecomunicações, assim entendido como aquele que está em desconformidade com os propósitos da rede, isto é, a prestação de serviços de telecomunicações com padrões de regularidade, qualidade e segurança estabelecidos na regulamentação, e como suporte para os SVA.
A segunda aborda o risco de impacto negativo no funcionamento das redes de telecomunicações, em função do uso destas redes e da demanda crescente do tráfego de dados, bem como da implementação de novos produtos e serviços emergentes.
Por fim, a terceira trata do uso das redes de suporte aos serviços de telecomunicações para a realização de práticas ilegais, levando-se em consideração o propósito das redes de telecomunicações e seu uso adequado.
Tema 1 - 1.1.1 Uso inadequado das redes de telecomunicações
1.1.1 Uso inadequado das redes de telecomunicações
Entre os aspectos relevantes acerca do uso inadequado de redes, inclui-se a questão da segurança das redes de telecomunicações, assunto considerado estratégico na Anatel. O Regulamento de Segurança Cibernética, aprovado pela Resolução nº 740, de 21 de dezembro de 2020, estabelece condutas e procedimentos para a promoção da segurança nas redes e serviços de telecomunicações, incluindo a proteção das Infraestruturas Críticas de Telecomunicações.
O Regulamento de Segurança Cibernética prevê obrigações para as prestadoras de serviços de telecomunicações, bem como diretrizes para as pessoas naturais ou jurídicas envolvidas direta ou indiretamente na gestão ou no desenvolvimento das redes e serviços de telecomunicações.
Além disso, a Agência, dentro dos limites legais de sua atuação e da capacidade do setor, vem implementando nos últimos anos diversas iniciativas que buscam auxiliar em algumas atividades de segurança pública (como o combate a crimes e fraudes e ao uso de terminais irregulares nas redes de telecomunicações, o suporte as ações de a investigação policial e à quebra de sigilo judicial, bem como o tratamento e a localização de chamadas de emergências). Além disso, a Agência dialoga com os entes de segurança pública, bem como com outros agentes afetados, para entender novas necessidades que surjam.
No entanto, percebeu-se nos últimos anos, pelas demandas trazidas pelos entes de segurança pública à Anatel, que, por muitas vezes, a necessidade identificada já se encontrava implementada nas iniciativas da Anatel juntamente com as prestadoras de serviços de telecomunicações, o que demonstra uma necessidade de maior estreitamento da relação do setor de telecomunicações com estes atores.
Além disso, devido às limitações do setor para endereçar todas as necessidades trazidas à Anatel, torna-se necessário priorizar quais das diversas iniciativas são mais importantes e devem ser implementadas com maior prontidão.
Atento a este cenário, o Conselho diretor da Anatel aprovou a Resolução nº 738, de 21 de dezembro de 2020, que promoveu alterações no Regulamento dos Serviços de Telecomunicações, aprovado pela Resolução nº 73, de 25 de novembro de 1998, incluindo disposições sobre sigilo, prevenção à fraude e ações de apoio à segurança pública. Além disso, instituiu o Grupo Técnico de Suporte à Segurança Pública (GT-Seg), com as seguintes atribuições:
- auxiliar a Anatel no acompanhamento da implantação de políticas relacionadas à segurança pública;
- determinar ações e prazos para implementação de regras relativas aos temas de sua competência;
- discutir, avaliar e recomendar à Anatel a internalização de padrões, melhores práticas, ações e iniciativas em matéria de segurança pública e de combate à fraude oriundas de fóruns regionais e internacionais de telecomunicações, em colaboração com as CBCs;
- interagir com outros órgãos e entidades no cumprimento das suas atividades, observada a competência de governança de atuação institucional da Agência;
- propor ações de conscientização em colaboração com as áreas responsáveis pela comunicação na Agência;
- auxiliar a Anatel no acompanhamento das ações de combate à fraude nos serviços de telecomunicações afetas à segurança pública; e,
- desempenhar outras atividades atribuídas pelo Conselho Diretor da Anatel.
Com a criação do GT-Seg, a Agência tem agora um fórum mais adequado para realizar as discussões relativas à segurança pública, o que permite estreitar a relação com os atores envolvidos, dando maior publicidade às ações que já foram implementadas, criando um canal único para a entrada de novas demandas e permitindo que a priorização e implementação das necessidades sejam discutidas e acordadas entre todos os envolvidos.
A preocupação com o uso adequado das redes também é refletida na existência de Projetos de Lei (PL) em trâmite no Congresso Nacional, que preveem obrigações para o uso de aplicações da internet, com o objetivo de evitar a disseminação de informações falsas, dar transparência quanto a conteúdos patrocinados e, também, para prever regras sobre a operação de plataformas digitais.
Em especial, destacam-se o PL nº 2.630/2020 e o PL nº 2.768/2022, tanto pelos temas tratados, quanto pela repercussão que o debate destes projetos tem recebido na sociedade brasileira.
O PL nº 2.630/2020, de autoria do Senador Alessandro Vieira, propõe a instituição da Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet. Conforme texto proposto pelo Senador Alessandro Vieira, o projeto prevê “normas, diretrizes e mecanismos de transparência de redes sociais e de serviços de mensageria privada através da internet, para desestimular o seu abuso ou manipulação com potencial de dar causa a danos individuais ou coletivos”.
O PL nº 2.630/2020 foi aprovado pelo Plenário do Senado Federal em 30 de junho de 2020, encontrando-se atualmente em tramitação na Câmara dos Deputados, onde foi designado Relator o Deputado Orlando Silva.
O texto aprovado no Senado Federal prevê regras para a serem atendidas obrigatoriamente pelos provedores de redes sociais e de serviços de mensageria privada (provedores de SVA conforme a LGT e provedores de aplicação de acordo com o MCI) que ofertem serviços ao público brasileiro a partir de 2.000.000 (dois milhões) de usuários. Para os demais, de acordo com o texto aprovado, as disposições servirão de parâmetro para aplicação de programa de boas práticas, com vistas à adoção de medidas adequadas e proporcionais no combate ao comportamento inautêntico e na transparência sobre conteúdos pagos.
As regras previstas no PL nº 2.630/2020 preveem obrigações relacionadas à identificação de usuários e de suas contas, sendo vedado o funcionamento de contas inautênticas e automatizadas, quando não identificadas como tal. Além disso, traz determinações visando o estabelecimento de medidas de transparência e a identificação de conteúdos impulsionados e publicitários.
Dentre as obrigações de transparência, estão previstas a produção e divulgação de relatórios contendo informações sobre procedimentos e decisões de tratamento de conteúdos, e a disponibilização para os usuários de informações sobre o histórico de conteúdos impulsionados e publicitários com os quais a conta teve contato.
O PL nº 2.630/2020 atribui obrigações à Administração Pública no sentido de coibir a destinação de publicidade para sítios eletrônicos e contas que promovam atos de incitação à violência.
O texto aprovado prevê a instituição do Conselho de Transparência e Responsabilidade na Internet, tendo como membros, dentre outros, representantes das Casas do Congresso Nacional, dos Conselhos Nacional de Justiça e do Ministério Público, de provedores de aplicação, do setor de telecomunicações e da Anatel.
Está prevista a adoção de mecanismos de autorregulação regulada pelos provedores de redes sociais e de serviços de mensageria privada.
Além da aprovação da chamada Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, o texto aprovado no Senado Federal propõe a alteração da Lei nº 10.703, de 18 de julho de 2003, que trata do cadastro de cadastramento de usuários de telefones celulares pré-pagos, e do MCI.
O PL nº 2.768/2022, de autoria do Deputado Federal João Maia, tendo como Relatora a Deputada Any Ortiz, dispõe sobre a organização, o funcionamento e a operação das plataformas digitais, com o objetivo de assegurar a liberdade de iniciativa, a livre concorrência, e a defesa do consumidor.
O projeto legislativo propõe estabelecer um ambiente normativo para as plataformas digitais que detenham poder de controle de acesso essencial, definidas como aquelas que "auferirem receita operacional anual igual ou superior a R$ 70 milhões com a oferta de serviços ao público brasileiro, nos termos de regulamentação da Agência Nacional de Telecomunicações", sendo a Anatel incumbida de normatizar, interpretar a legislação, compor conflitos e reprimir infrações relativas a essas plataformas.
O texto proposto prevê a definição de plataformas digitais, de usuário profissional e de usuário final das plataformas digitais.
O PL nº 2.768/2022 propõe alterar o art. 61 da LGT, para prever que as aplicações de internet previstas no inciso VII do art. 5º do MCI seriam consideradas SVA, assim como as plataformas digitais.
A proposta legislativa estabelece os objetivos da regulação das plataformas digitais, prevê obrigações para os operadores dessas plataformas e critérios para o seu detalhamento pela Anatel, atribuindo o controle de atos de concentração sob a competência ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE).
Está prevista a instituição do Fundo de Fiscalização das Plataformas Digitais, com a indicação de suas fontes de financiamento, incluindo a Taxa de Fiscalização das Plataformas Digitais, devida anualmente pelos operadores de plataformas digitais que oferecem serviços ao público brasileiro, detentores de poder de controle de acesso essencial.
Tema 1 - 1.1.2 Uso de redes de telecomunicações no tráfego de dados para suporte aos serviços de valor adicionado e no tráfego de voz de modo massivo
1.1.2 Uso de redes de telecomunicações no tráfego de dados para suporte aos serviços de valor adicionado e no tráfego de voz de modo massivo
Outro aspecto relevante a ser discutido é o caso específico de uso das redes de telecomunicações no tráfego de dados para suporte aos SVA e no tráfego de voz, de modo massivo, por exemplo, com volume de chamadas curtas que trafegam nas redes de voz, bem como a realização de chamadas que, pelas suas características, causam incômodos aos consumidores de serviços de telecomunicações brasileiros.
Quanto ao uso massivo das redes de telecomunicações, reiteram-se as informações indicadas na Tomada de Subsídios nº 13/2023, quando foram apresentados alguns dados disponíveis na Agência e em fontes públicas sobre, entre outros aspectos, o tráfego nas redes de dados, a composição desse tráfego em termos dos maiores usuários, o percentual da capacidade total relacionada a esses usuários e os impactos para as redes de telecomunicações.
Importante destacar que o tráfego, em 2023, chega a ultrapassar 26,3 Tbps nos pontos de troca, demonstrando de maneira bastante clara que a demanda por serviços de telecomunicações vem se ampliando de maneira bastante relevante. O consumo de vídeo é atividade relevante para 80% dos usuários de banda larga fixa. Redes sociais como Facebook, Instagram ou X (Twitter) são de uso constante para 85% dos usuários de banda larga fixa e 82% dos usuários do de banda larga móvel na modalidade pós-paga. Esse perfil de consumo concentra em poucos players um relevante percentual do tráfego de dados. Os aplicativos de Netflix, Youtube, Disney+, TikTok e Amazon Prime tem 37,8% do tráfego downstream segundo Relatório “Global Internet Phenomena Report” da Sandvine”[2]. Vídeos em geral representam 65,93% do tráfego nas redes.
Quando se analisa os dados desse relatório por grupo econômico, as denominadas Big 6 (Meta, Alphabet, Microsoft, Amazon, Apple e Netflix) representam praticamente 50% do tráfego gerado nas redes. Nas redes móveis, contudo, streaming de vídeo e redes sociais respondem por 82,5% do tráfego total.
Em relação aos investimentos para acompanhar esse crescimento é importante pontuar o que segue, sem, contudo, entrar na discussão de como se mitigaria eventuais desalinhamentos, o que será avaliado no tema 5 dessa avaliação preliminar.
Ressalta-se, em primeiro lugar, o montante de investimentos feitos pelas prestadoras de serviços de telecomunicações, segundo a Conexis Brasil Digital na Tomada de Subsídios nº 13/2023, na ordem de R$102,5 bilhões em 2021, envolvendo investimentos em infraestrutura, com a aquisição de espectro, expansão e automação de Content Delivery Networks - CDNs, investimentos em rede de acesso e transmissão, incluindo conectividade satelital, off-load das redes móveis por WiFi apoiadas em redes Fiber-to-the-home (FTTH), novos sites e datacenters, e os recursos necessários em transmissão de dados para a integração destes centros.
Os investimentos em CDNs mereceram destaque especial na medida que foram feitos para off-load seletivo de tráfego IP, além de otimizar custos, melhorar qualidade, possibilitar acordos com provedores de conteúdo, entre outros aspectos.
Esses investimentos não ficaram restritos às grandes prestadoras de serviços de telecomunicações, tendo as pequenas e médias prestadoras de serviço de telecomunicações também investido em infraestrutura com uma arquitetura de rede, segundo as associações Telcomp e ABRINT na Tomada de Subsídios nº 13/2023, baseada em redes de fibra óptica e desenvolvimento de CDNs, seja em parceria seja por iniciativa própria, para redução de custos de transporte e trânsito de dados, entre outros. Essas empresas apontam também que os custos de insumos vêm reduzindo, sendo os custos mais elevados da rede não estariam nos investimentos de capacidade, mas sim na remuneração pelo uso de postes, direitos de passagem, acesso à dutos existentes, custos e restrições relativos a licenciamento de sites.
As pequenas e médias prestadoras reconhecem ainda, assim como as grandes prestadoras, que existem lacunas na expansão da rede, mesmo com as ações e incentivos regulatórios da Anatel e as políticas públicas de massificação do acesso/conectividade[3], em especial nas áreas rurais e mais remotas. Além disso, indicou-se que há um limite dos investimentos na capacidade financeira de cada prestadora.
Além das prestadoras de serviços de telecomunicações, as provedoras de SVA, em especial as grandes plataformas digitais, indicaram na Tomada de Subsídios nº 13/2023, uma série de investimentos realizados por essas empresas em CDNs e caches, assim como cabos submarinos, gerenciamento do tráfego, serviços na nuvem, data centers, interconexão entre ISPs e peering, resiliência das redes, infraestrutura de redes de fibra óptica terrestre e redes satelitais, importando em benefícios para a melhoria da experiência do usuário, menor latência de rede, criação de demanda para as prestadoras e contribuição para eficiência de rede. Além disso, enfatizaram a melhoria da eficiência do uso da rede com a otimização de mecanismos de compressão de vídeo mais eficientes para mitigar o grande uso das redes por tráfego de vídeo.
Indicam que esses investimentos levaram à economia de US$ 5 a 6,4 bilhões por ano globalmente para as prestadoras e representarão aumento cumulativo do PIB de US$ 178 bilhões entre 2017 e 2027, bem como elevação econômica e criação de cerca de 740.000 empregos adicionais até 2027[4].
Em complemento, contribuíram indicando o perfil de custos de redes, sendo que os custos da rede de acesso representariam a maioria dos custos de rede (80-90%), mas sendo esses largamente insensíveis ao tráfego devido a implementação de rede de fibra óptica. Além disso, os custos do núcleo da rede e do backbone seriam parcialmente sensíveis ao tráfego, representando cerca de 10-20% dos custos.
Algumas provedoras de SVA afirmaram que se espera que os custos de rede permaneçam estáveis ao longo do tempo devido a economias de escala, diminuição dos custos de equipamentos e enlaces de alta capacidade e a entrega contínua de tráfego por meio de caches localizados e CDNs. Em arremate, indicam que os custos de transporte de dados têm constantemente caído, tendo os custos de tráfego em massa diminuído continuamente há mais de uma década.
Em relação às afirmações de algumas provedoras de SVA, houve contrapontos como, por exemplo, o estudo do pesquisador Tiago Prado[5]. Usando dados empíricos disponíveis publicamente, o estudo investigou a lucratividade das prestadoras de serviços de telecomunicações no Brasil nos últimos 5 (cinco) anos para entender como as tendências de investimento afetariam o desempenho de seus negócios. No mesmo contexto, buscou prever a demanda de tráfego de dados a ser atendida pelas prestadoras de serviços de telecomunicações nos próximos 10 (dez) anos, com a premissa de que os investimentos precisam servir essa demanda prevista, avaliando consequentemente prováveis impactos na rentabilidade.
Em seus achados, o estudo indica que as margens operacionais das prestadoras nacionais e regionais no Brasil têm sido consistentemente elevadas nos últimos anos. Além disso, aponta que há uma crescente adoção de interações simbióticas lideradas pelo mercado entre essas e os provedores de SVA no Brasil. Indica ainda que a taxa de crescimento da demanda de tráfego de dados no Brasil diminuiria na próxima década, descartando a necessidade de uma forte aceleração na taxa de investimento das prestadoras.
O estudo prevê a demanda de tráfego de dados que será atendida pelas redes das principais prestadoras fixas e móveis nos próximos 10 (dez) anos no Brasil, bem como as necessidades de investimento para atender à demanda prevista e seu provável impacto na sua lucratividade, permitindo inferir que, embora o tráfego de dados fixo e móvel continue a sua tendência de crescimento na próxima década, a taxa de crescimento de dados deverá diminuir ao longo dos anos, bem como os custos por Byte transmitido, exigindo um investimento médio anual por ano durante os próximos 10 (dez) anos em torno de R$ 46,5 bilhões (US$ 9,3 bilhões). Este valor seria apenas 6,7% superior ao atual nível de investimento do mercado brasileiro de telecomunicações. Além disso, como estes investimentos seriam impulsionados pela demanda, é razoável concluir, segundo o estudo, que seriam acompanhados por um aumento de receitas.
Além disso, enfatiza-se o estudo da Analysys Mason que ressalva o efeito reduzido dos investimentos em infraestrutura pelos SVAs na rede de transporte, sendo a maior parte do ônus de investimento em redes recairia sobre as prestadoras de serviços de telecomunicações.
Por fim, salienta-se a análise e investigações do BEREC sobre as operações de redes de telecomunicações em 2012, 2017 e novamente em 2022, que descobriram que os aumentos nos fluxos de dados não são o principal fator contribuinte nos custos de telecomunicações.
É importante ressaltar também que, das contribuições recebidas na Tomada de Subsídios nº 13/2023, há uma preocupação dos pequenos geradores de tráfego de que eles sejam equiparados às grandes plataformas digitais. O assunto também é sensível para os intermediários e fornecedores de soluções comerciais de CDNs e data center, uma vez que estes hospedam parcela considerável dos servidores dos grandes geradores de conteúdo, mas não sãos os geradores de tráfego, sendo responsáveis somente pela distribuição deste conteúdo. Contribuições sugerem que esses atores não devem ser considerados como grandes usuários.
[3] Edital de Licitação nº 1/2021-SOR/SPR/CD-ANATEL (“Edital 5G”), processos de renovação de autorização de uso do espectro de radiofrequências, Termos de Ajustamento de Conduta (TAC), estabelecimento de obrigações de fazer (ODF) em processos sancionatórios, recursos do Fundo de Universalização das telecomunicações (FUST).
[4] Fonte: Relatório da Analysys Mason.
[5] Value-added services and the future of telecommunications: empirical evidence to inform the network fees debate in Brazil. Tiago S. Prado, Ph.D. in Information and Media, Michigan State University. Working Paper 01/2023. Version 1.
Box 4 - Pergunta 8
Box 4: Questionamentos para avaliar a tendência do aumento de tráfego de dados e os possíveis impactos nas redes de telecomunicações.
Pergunta-se:
8) Considerando-se somente o mercado brasileiro, qual seria a tendência do aumento do tráfego de dados para os próximos 5 anos? E para a próxima década? Por favor indique estudos e dados que sustentem as expectativas de tráfego de dados.
Box 4 - Pergunta 9
9) Além disso, desse total de tráfego, qual seria a expectativa de tendência do percentual de tráfego cursado proveniente de SVA, em especial nas grandes plataformas digitais?
Box 4 - Pergunta 10
10) Avaliando-se o período da pandemia da Covid-19 e as medidas tomadas para mitigar o aumento do tráfego de dados por força das medidas de isolamento, com impactos no volume de dados trafegados, em especial de vídeos (streaming, vídeo chamadas, reuniões e eventos online, educação à distância, entre outros), como pode-se avaliar a tendência futura de aumento desse tráfego e os possíveis riscos de um desalinhamento entre a demanda e a capacidade das redes, com reflexos na prestação do serviço, em especial na qualidade dos serviços prestados? Justifique suas afirmativas com dados e evidências que corroborem sua avaliação.
Tema 1 - 1.1.2 (cont.)
No âmbito das atividades relacionadas ao combate às chamadas abusivas, a Anatel realizou a análise de dados agregados referentes ao tráfego de voz nas redes do Serviço Telefônico Fixo Comutado (STFC) e do Serviço Móvel Pessoal (SMP). Essa análise permitiu que a área técnica verificasse, por exemplo, que entre mais de 400 milhões de chamadas analisadas de forma consolidada e anonimizada, realizadas nas redes, o comportamento dos usuários que realizaram mais de mil ligações por dia é de um perfil de elevado número de chamadas curtas (aquelas com 0 a 3 segundos de duração), o que denuncia ineficiência na comunicação.
O total gira em torno de 80% do total de chamadas cursadas na rede, exclusivamente em decorrência do perfil diferenciado do tráfego de uma das grandes prestadoras de serviços de telecomunicações, que se apresenta como um outlier capaz de reduzir a média do agregado das quatro prestadoras. Excluída essa prestadora, o número de chamadas curtas para os usuários com mais de 1.000 ligações diárias atinge 88,43%.
Apurou-se ainda, por exemplo, que apenas 54 (cinquenta e quatro) usuários da rede de uma dessas grandes prestadoras são responsáveis por 81% do total de chamadas curtas (0 a 3 segundos, atendidas ou não) originadas na rede daquela prestadora. Trata-se de cenário que se repete de maneira similar em outras prestadoras analisadas. O que reverbera daí é que, para o tráfego de voz, um pequeno número de usuários é responsável por um volume extremamente alto de chamadas.
É importante, inclusive, ressaltar que a Agência já vem tratando do problema das chamadas abusivas e inoportunas sob a perspectiva de inadequação do uso de redes, como resta evidente do disposto no art. 44 do novo Regulamento Geral de Direitos do Consumidor de Serviços de Telecomunicações, aprovado pela recente Resolução nº 765, de 6 de novembro de 2023:
Art. 44. Configura uso inadequado dos serviços de telecomunicações, ou uso indevido de recursos de numeração, a utilização das redes de telecomunicações para, dentre outras, cursar tráfego ou realizar chamadas:
I - massivas, assim consideradas aquelas realizadas em volume superior à capacidade humana de atendimento e comunicação;
II - sem o intuito de comunicação efetiva;
III - sem observância das regras de uso dos recursos de numeração conforme a destinação feita em plano de numeração, atribuição à Prestadora de serviço de telecomunicações e a designação ao usuário final;
IV - que dificultem, indevidamente, a identificação do chamador; ou,
V - para códigos de acesso de usuários registrados nas plataformas mencionadas no § 3º do art. 43.
§ 1º Os parâmetros específicos relacionados às características estabelecidas no presente artigo serão definidos em instrumento posterior, a ser expedido pelas Superintendências competentes.
§ 2º O uso inadequado dos serviços de telecomunicações ou uso indevido de recursos de numeração sujeitará os usuários, responsáveis por sua realização, ao bloqueio, inclusive dos recursos de numeração, e às sanções previstas no Regulamento de Aplicação de Sanções Administrativas - RASA.
Box 5 - Pergunta 11
Box 5: Uso de recursos e redes de telecomunicações para o tráfego de voz.
Pergunta-se:
11) Quais são os produtos, fornecidos por empresas de telecomunicações, que oferecem facilidades que colaboram com um aumento irrazoável do tráfego de voz dirigido aos consumidores?
Box 5 - Pergunta 12
12) Sob a perspectiva das redes de telecomunicações, que medidas poderiam ser adotadas para redução do número de chamadas abusivas?
Tema 1 - 1.1.3 Uso de redes de telecomunicações para práticas ilegais
1.1.3 Uso de redes de telecomunicações para práticas ilegais
Acerca do uso das redes de telecomunicações para práticas ilegais, ressalta-se a atuação da Anatel sobre plataformas constituídas como provedoras de SVA, na sua qualidade de usuários de serviços de telecomunicações, na avaliação de práticas de pirataria de conteúdo audiovisual, que resultou no Plano de Ação de Combate à Pirataria - PACP. Tal plano determina o bloqueio administrativo, pelas redes de prestadoras de serviços de telecomunicações, de sites dedicados à comercialização de produtos para telecomunicações não homologados a partir de parecer de outros órgãos responsáveis pelo combate à pirataria de produtos e serviços.
O PACP foi aprovado em fevereiro de 2023 com o foco em aprimorar atividades fiscalizatórias da Anatel relativas à utilização e comercialização de dispositivos não homologados do tipo TV Box. O Plano prevê a realização de procedimentos de bloqueio ou redirecionamento de tráfego de conteúdo e de chaves de criptografia do Serviço de Acesso Condicionado – SeAC (TV por assinatura), nesses aparelhos.
O objetivo do Plano é, por meio de medida administrativa, atuar de maneira mais célere, compatível com a agilidade dos fornecedores dos produtos clandestinos. Espera-se, assim, impedir ou prejudicar de forma significativa o funcionamento desses equipamentos e desestimular o seu uso. Com isso, almeja-se: (i) reduzir os riscos às redes de telecomunicações causados por dispositivos TV Box não homologados; (ii) aumentar a segurança física e de dados dos usuários; (iii) reduzir a atividade clandestina de provimento de SeAC por entidades ou pessoas físicas não outorgadas; e (iv) melhorar o equilíbrio competitivo do mercado audiovisual pela redução de ofertas irregulares de conteúdo advindo do SeAC.
Esses riscos aos usuários e às redes de telecomunicações são justamente os motivadores para o desenvolvimento do Plano. Como um dos principais riscos apontados destaca-se, por exemplo, a existência de malwares nos referidos equipamentos, que podem causar captura de dados e informações dos usuários, como registros financeiros ou arquivos e fotos que estejam armazenados em dispositivos que compartilhem a mesma rede.
Tema 1 - Subtema 1.1
1.2 Subtemas, Hipóteses de Problema, Objetivos e Alternativas preliminares
Subtema 1.1: Uso inadequado de redes de telecomunicações, inclusive como suporte à prestação de Serviços de Valor Adicionado (SVA).
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Hipótese de Problema
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Uso inadequado das redes de telecomunicações, entendido como aquele que está em desconformidade com os propósitos da rede, isto é, a prestação de serviços de telecomunicações com padrões de regularidade, qualidade e segurança estabelecidos na regulamentação, e como suporte para os Serviços de Valor Adicionado (SVA).
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Objetivos
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A presente ação tem por objetivo mitigar o uso inadequado das redes de telecomunicações para tráfego de dados.
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Alternativas preliminares
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Alternativa A – Manutenção da estruturação atual (Status quo)
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Alternativa B – Previsão, na regulamentação, das práticas que configuram uso inadequado das redes de telecomunicações por seus usuários.
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Alternativa C – Análise das práticas objeto de denúncias e reclamações nos casos concretos, com a consequente ação para dar cumprimento ao dever de uso adequado das redes de telecomunicações de seus usuários.
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Contexto do problema
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A Lei Geral de Telecomunicações (LGT), Lei nº 9.472, de 16 de junho de 1997, prevê o dever dos usuários de utilizarem adequadamente os serviços, equipamentos e redes de telecomunicações (art. 4º, I), incluindo aqui os provedores de Serviços de Valor Adicionado (SVA).
Além disso, o Regulamento Geral de Direitos do Consumidor de Serviços de Telecomunicações (RGC) atualmente em vigor, aprovado pela Resolução nº 632, de 7 de março de 2014, dispõe sobre os direitos e, também, os deveres dos consumidores, nos termos de seu art. 4º.
A regulamentação reitera os deveres de utilização adequada dos serviços, dos equipamentos e das redes, bem como impõe aos consumidores dos serviços de telecomunicações a obrigação de respeitar os bens públicos, de comunicar às autoridades irregularidades e ilícitos cometidos por prestadoras de serviços de telecomunicações, de cumprir as regras contratuais, além de regras relacionadas à obrigatoriedade do uso de equipamentos certificados. Também cabe aos consumidores o dever de prestar informações à prestadora quanto a seus dispositivos de acesso e eventuais alterações de cadastro.
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Box 6 - Pergunta 13
Box 6: Avaliação do subtema, a hipótese de problema, os objetivos e alternativas elencadas.
Pergunta-se:
13) As hipóteses de problema, objetivos, e alternativas estão corretamente definidas para o subtema acima? Se sim, que dados e evidências corroboram sua afirmativa? Se não, que dados e evidências indicam que a hipótese de problema, objetivos, ou alternativas devem ser revistos ou mesmo excluídos? Justifique sua resposta com dados e análises quantitativas.
Tema 1 - Subtema 1.2
Subtema 1.2: Uso massivo das redes de serviços de telecomunicações no tráfego de dados para suporte aos Serviços de Valor Adicionado (SVA).
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Hipótese de Problema
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O risco ao funcionamento das redes, em função da demanda crescente do tráfego de dados e da implementação de novos produtos e serviços emergentes.
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Objetivos
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A presente ação tem por objetivo mitigar os riscos ao funcionamento das redes de suporte aos serviços de telecomunicações, decorrentes da demanda crescente do tráfego de dados e da implementação de novos produtos e serviços emergentes (Realidade Virtual - RV, Realidade Aumentada – RA, conteúdos interativos, dinâmicos e com demanda por baixa latência e alta capacidade, entre outros).
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Alternativas preliminares
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Alternativa A – Manutenção da estruturação atual (Status quo)
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Alternativa B – Definição de parâmetros para identificar o uso de redes de telecomunicações que tem potencial de impactar o funcionamento das redes de telecomunicações, bem como o estabelecimento dos deveres aos usuários para mitigar esse risco.
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Alternativa C – Coleta de evidências nos casos concretos, incluindo denúncias e reclamações relacionadas a impactos ao funcionamento das redes, em função da demanda crescente do tráfego de dados e da implementação de novos produtos e serviços emergentes, com a consequente atuação nestes casos para mitigar tais riscos.
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Alternativa D – Caracterização dos grandes usuários, cujo uso da rede de telecomunicações tem risco de impacto a seu funcionamento, em função da demanda crescente do tráfego de dados e da implementação de novos produtos e serviços emergentes, estabelecendo-se deveres assimétricos a estes grandes usuários para mitigar tal risco.
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Contexto do problema
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Quanto ao uso das redes de telecomunicações em função da demanda crescente do tráfego de dados e da implementação de novos produtos e serviços emergentes, reiteram-se as informações indicadas na Tomada de Subsídios nº 13/2023, onde foram apresentados alguns dados disponíveis na Agência e em fontes públicas sobre, entre outros aspectos, o tráfego nas redes de dados, a composição desse tráfego em termos dos maiores usuários, o percentual da capacidade total relacionada a esses usuários, e os impactos para as redes de telecomunicações.
Importante destacar que o tráfego, em 2023, chega a ultrapassar 26,3 Tbps nos pontos de troca, demonstrando de maneira bastante clara que a demanda por serviços de telecomunicações vem se ampliando de maneira bastante relevante. O consumo de vídeo é atividade relevante para 80% dos usuários de banda larga fixa. Redes sociais como Facebook, Instagram ou X (Twitter) são de uso constante para 85% dos usuários de banda larga fixa e 82% dos usuários de banda larga móvel na modalidade pós-paga. Esse perfil de consumo concentra em poucos players um relevante percentual do tráfego de dados. Os aplicativos de Netflix, Youtube, Disney+, TikTok e Amazon Prime tem 37,8% do tráfego downstream segundo Relatório “Global Internet Phenomena Report” da Sandvine”. Vídeos em geral representam 65,93% do tráfego nas redes.
Quando se analisa os dados desse relatório por grupo econômico, as Big 6 (Meta, Alphabet, Microsoft, Amazon, Apple e Netflix) representam praticamente 50% do tráfego gerado nas redes. Nas redes móveis, contudo, streaming de vídeo e redes sociais representam 82,5% do tráfego total.
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Box 7 - Pergunta 14
Box 7: Avaliação do subtema, a hipótese de problema, os objetivos e alternativas elencadas.
Pergunta-se:
14) As hipóteses de problema, objetivos, e alternativas estão corretamente definidas para o subtema acima? Se sim, que dados e evidências corroboram sua afirmativa? Se não, que dados e evidências indicam que a hipótese de problema, objetivos, ou alternativas devem ser revistos ou mesmo excluídos? Justifique sua resposta com dados e análises quantitativas.
Tema 1 - Subtema 1.3
Subtema 1.3: Uso massivo das redes de telecomunicações no tráfego de voz, em especial chamadas abusivas e inoportunas no STFC e no SMP
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Hipótese de Problema
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Excessivo volume de chamadas curtas que trafegam nas redes de telecomunicações de voz, bem como a realização de chamadas que, pelas suas características, causam incômodos aos consumidores de serviços de telecomunicações brasileiros.
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Objetivos
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A presente ação tem por objetivo o combate ao volume excessivo de chamadas curtas e a mitigação dos incômodos aos consumidores, com impactos positivos para os serviços de voz no mercado brasileiro.
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Alternativas preliminares
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Alternativa A – Manutenção da estruturação atual (Status quo)
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Alternativa B – Aprimoramento da regulamentação quanto aos contornos para a identificação e expurgo de chamadas curtas e abusivas em volume excessivo.
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Alternativa C – Estabelecimento, em regulamentação, de obrigações de implementação de mecanismos de identificação da empresa ou entidade realizando a chamada.
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Alternativa D – Estabelecimento de regulamentação específica para vedar a comercialização de funcionalidades associadas aos serviços de telecomunicações que facilitem a realização de chamadas curtas ou abusivas por contact centers.
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Alternativa E – Atuação sobre os incentivos econômicos existentes, em conjunto com outras entidades reguladoras, caso necessário, para cessar a quarteirização irregular de serviços de contact center ("Bandeiras Brancas”) e o compartilhamento de dados de empresas concorrentes entre contact centers.
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Contexto do problema
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No acompanhamento do setor de telecomunicações, a Anatel identificou distorção relevante no mercado brasileiro: um número excessivo de chamadas de curtíssima duração nas redes de telecomunicações.
Tais chamadas, por terem de 0 a 3 segundos, não se prestam à realização de comunicação efetiva entre o originador e o destinatário. No entanto, correspondem, em algumas prestadoras, a percentuais que alcançavam cerca de 90% das chamadas originadas.
Essas chamadas são geradas quase que unicamente por empresas que realizam serviços de telemarketing, telecobrança e outros serviços assemelhados (“telesserviços”). No intento de manter todos os seus funcionários ocupados, percebe-se que essas empresas utilizam discadores automatizados que realizam mais chamadas do que a sua capacidade humana de prestação de serviços.
A praxe das empresas é realizar dezenas de ligações simultâneas em volume muito superior à sua efetiva capacidade de interação com o destinatário e estabelecimento de efetiva comunicação. Em caso de indisponibilidade de agente de atendimento ou de sucesso na conexão, todas as ligações onde não haverá esta interação são desconectadas.
Dessa forma, são realizadas, por exemplo, 10 (dez) ligações simultâneas, para 10 (dez) usuários diferentes, associadas a uma capacidade de 1 (uma) posição de atendimento. Quando um dos 10 (dez) destinatários atende à ligação, ela é direcionada ao atendente, e as 9 (nove) demais ligações são encerradas pelo originador, visto que seu atendente já está ocupado com o usuário que atendeu.
Na prática, isso significa que ao menos 9 (nove) usuários foram importunados e, antes que pudessem atender a ligação (ou logo após atenderem), a ligação foi desligada pelo chamador. Nesse cenário, teríamos apenas 10% das ligações sendo "atendidas".
Destaca-se que o número fornecido por empresas de telesserviços é o de que apenas 5% (cinco por cento) das ligações são atendidas em média.
Investigando o assunto, a Agência constatou ainda que as chamadas abusivas estavam provocando um elevado desinteresse dos usuários em atender as chamadas que lhes chegam. Cerca de 47% dos entrevistados na pesquisa "Panorama Mobile Time/Opinion Box – Chamadas Indesejadas no Brasil" nunca atendem ou quase nunca atendem chamadas com números que não conhecem.
Quando comparado a outros países, o Brasil sofre excessivamente com o número de chamadas curtas. O país é o "líder" há 4 (quatro) anos, com 32,9 ligações de spam por usuário por mês no ranking do Truecaller Global Scam e Spam Report (2022). O segundo lugar, o Peru, tem apenas 18,02 chamadas deste tipo por usuário por mês.
Para além das chamadas curtas, também é preciso combater os mecanismos associados às chamadas indesejadas, aquelas que causam um relevante incômodo ao consumidor pelo seu volume, horário ou que são realizadas por meio do uso de subterfúgios para dificultar a identificação do chamador.
A enorme quantidade de chamadas abusivas e indesejadas leva a uma extrema desvalorização do serviço de voz, o que se traduz em prejuízos às empresas de telesserviços (que não tem suas ligações atendidas), às empresas de telecomunicações (que tem suas redes congestionadas pelas chamadas abusivas) e aos consumidores (que são constantemente incomodados por chamadas recorrentes).
É importante registrar que o novo Regulamento Geral de Direitos do Consumidor de Serviços de Telecomunicações – RGC, aprovado recentemente por meio da Resolução nº 765, de 6 de novembro de 2023, trouxe uma regulamentação mínima sobre a matéria. Além disso, há que se destacar também que a Agência já vem adotando medidas cautelares para tratar as questões aqui apontadas.
O presente estudo visa, contudo, ampliar a questão para melhor tratar dos mecanismos utilizados pelos grandes usuários para a realização desse tipo de atividade, como, por exemplo, os planos de STFC do tipo “rajada”, compartilhamento de dados entre contact centers de empresas concorrentes como prática anticompetitiva, quarteirização (vulgo “bandeiras brancas”) e o uso irregular de recursos de numeração.
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Box 8 - Pergunta 15
Box 8: Avaliação do subtema, a hipótese de problema, os objetivos e alternativas elencadas.
Pergunta-se:
15) As hipóteses de problema, objetivos, e alternativas estão corretamente definidas para o subtema acima? Se sim, que dados e evidências corroboram sua afirmativa? Se não, que dados e evidências indicam que a hipótese de problema, objetivos, ou alternativas devem ser revistos ou mesmo excluídos? Justifique sua resposta com dados e análises quantitativas.
Tema 1 - Subtema 1.4
Subtema 1.4: Uso das redes de de telecomunicações para a realização de práticas ilegais.
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Hipótese de Problema
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Uso das redes de telecomunicações para a realização de práticas ilegais.
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Objetivos
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A presente ação tem por objetivo mitigar o uso das redes de de telecomunicações para a prática de ilegalidades, no âmbito da competência da Anatel.
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Alternativas preliminares
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Alternativa A – Manutenção da estruturação atual (Status quo)
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Alternativa B – Ampliação dos mecanismos de bloqueio administrativo de Serviços de Valor Adicionado (SVAs) para fins de combate à distribuição de conteúdo audiovisual ilegal.
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Alternativa C – Aperfeiçoamento dos mecanismos de identificação de práticas ilegais realizadas por meio das redes de telecomunicações para encaminhamento da informação aos órgãos competentes, utilizando-se de parcerias com os órgãos de segurança pública.
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Alternativa D – Reforço do combate aos crimes cibernéticos por meio do aperfeiçoamento da colaboração entre prestadoras de serviços de telecomunicações e provedoras de SVA, em especial os grandes usuários.
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Contexto do problema
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É notório que as redes de telecomunicações são utilizadas para a realização de atividades ilegais como, por exemplo, para a distribuição de conteúdo audiovisual sem os devidos direitos autorais e de transmissão.
Além disso, crimes cibernéticos e fraudes online se tornam cada vez mais comuns e devem ter seu combate facilitado pela Agência, por meio de incentivos às prestadoras de serviços de telecomunicações e provedoras de SVA, assim como pelo fornecimento de informações aos órgãos competentes.
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Box 9 - Pergunta 16
Box 9: Avaliação do subtema, a hipótese de problema, os objetivos e alternativas elencadas.
Pergunta-se:
16) As hipóteses de problema, objetivos, e alternativas estão corretamente definidas para o subtema acima? Se sim, que dados e evidências corroboram sua afirmativa? Se não, que dados e evidências indicam que a hipótese de problema, objetivos, ou alternativas devem ser revistos ou mesmo excluídos? Justifique sua resposta com dados e análises quantitativas.
Tema 2 - 2.1 Contextualização do Tema
Tema 2: Desequilíbrio regulatório entre agentes do ecossistema digital
2.1 Contextualização do Tema
O presente tema discute potenciais desequilíbrios do ponto de vista do modelo legal e regulatório em vigor para os diversos agentes do ecossistema digital brasileiro, envolvendo os diversos órgãos reguladores, dentro de suas competências. São discutidos aspectos relacionados à atuação dos órgãos reguladores, incluindo a Anatel nesse contexto, para uma atuação integrada no ecossistema digital, além da necessidade de fomentar capacidades flexíveis e de adaptar processos e fluxos de trabalho para uma atuação mais ampla no ecossistema digital, ressaltando ainda a atuação desses reguladores baseada em evidências.
O modelo regulatório vigente compreende uma diversidade de atores institucionais que devem interagir e cooperar para atuar no estabelecimento de um ambiente propício para o desenvolvimento saudável do mercado e fomentar o desenvolvimento da economia digital. Nesse contexto, o diagnóstico preliminar realizado mapeou alguns eixos de discussão que devem ser avaliados para identificar ou não problemáticas que necessitem de um tratamento regulatório pelos referidos órgãos reguladores, dentro de suas competências.
Nesse contexto, avalia-se a forma de atuação dos diversos órgãos para uma atuação no novo ecossistema digital, ou mesmo para uma atuação ampliada para tratar dos novos desafios impostos pela nova conjuntura do mercado digital. Além disso, avaliam-se as eventuais necessidades de adequação desse marco regulatório visando adaptar a atuação institucional para enfrentar esses novos desafios, bem como as necessidades de fomento de capacidades e de adaptação de processos e fluxos de trabalho para permitir uma atuação mais eficiente e que contemple os novos riscos e oportunidades nesse novo mercado. Ressalta-se, por fim, que tais adequações seriam complementares à necessidade constante dos diversos órgãos reguladores de atuar sempre baseados em evidências críveis, dados e informações confiáveis visando tornar suas atuações proporcionais e adequadas para enfrentar os problemas regulatórios identificados.
Partindo, então, dessa avaliação mais ampla no presente tema, possibilita-se avaliar especificamente o desequilíbrio que o atual marco legal e regulatório estabelece quanto às obrigações impostas aos atores nesse novo mercado digital, de diversas perspectivas, seja do ponto de vista das obrigações consumeristas (tema 3), do estímulo à competição (tema 4), dos investimentos cabíveis a cada agente do ecossistema digital (tema 5) e do desequilíbrio informacional ou de transparência (tema 6).
Essa discussão ampla do desequilíbrio no marco legal brasileiro é relevante para avaliar os eventuais problemas regulatórios do ponto de vista da competência institucional da Agência, delimitando alternativas de atuação para solucionar ou mitigar essas questões, dentro do escopo das competências estabelecidas para a Anatel, em especial relativas à LGT.
Repisa-se que a presente avaliação discute a necessidade de regulamentação sobre deveres dos usuários dos serviços de telecomunicações, nos termos do artigo 4º, I. Ou seja, busca-se debater a necessidade de regras específicas para os grandes usuários, ou que demandem algum tratamento regulatório peculiar, como, por exemplo, aqueles usuários que fazem uso massivo das redes de telecomunicações. O referido artigo 4º da LGT indica que os usuários de serviços de telecomunicações devem utilizar adequadamente os serviços, equipamentos e redes de telecomunicações.
Adiante, o artigo 61 da mesma Lei define como SVA a atividade que acrescenta, a um serviço de telecomunicações que lhe dá suporte e com o qual não se confunde, novas utilidades relacionadas ao acesso, armazenamento, apresentação, movimentação ou recuperação de informações, sendo que o § 1º do mesmo artigo afirma que o SVA não constitui serviço de telecomunicações, classificando-se seu provedor como usuário do serviço de telecomunicações que lhe dá suporte, com os direitos e deveres inerentes a essa condição.
Conforme já disposto no Item 1.1 deste documento, no que se refere a SVA, cabe à Anatel regular os condicionamentos para assegurar o uso por provedores de SVA dos meios de telecomunicações necessários para o desempenho de suas atividades, como o relacionamento deles com as prestadoras de serviço de telecomunicações, uma vez que perante a Anatel o provedor do SVA é um usuário de um serviço de telecomunicações.
Também se extrai da definição da LGT que a oferta de SVA à população necessita de um serviço de telecomunicações que a sustente. Ou seja, para que o usuário final possa usufruir de um SVA que cursa por um determinado serviço de telecomunicações, é preciso que seja também firmado um contrato junto a uma prestadora de serviço de telecomunicações.
Como se vê, no que se refere à oferta de SVA, tem-se que compete à Anatel regular o acesso às redes de telecomunicações aos provedores deste serviço. Ainda, sendo os provedores de SVA usuários de serviços de telecomunicações, o uso feito por estes das redes de telecomunicações também está sob a égide da regulação pela Anatel, conforme quaisquer outros usuários.
Por outro lado, o MCI define em seu art. 5º, VII, o que seriam aplicações de Internet, assim como os contornos quanto a discriminação e degradação de tráfego, em seu art. 9º, o qual foi regulamentado pelo Decreto nº 8.771, de 11 de maio de 2016.
Resta claro pelo disposto no referido Decreto, em especial nos art. 5º, § 2º, e art. 6º, o papel legal e necessidade de atuação da Anatel para a adequada prestação de serviços e aplicações na Internet, devendo a Agência regular, por meio de normas e ações de fiscalização, com o objetivo de preservar a estabilidade, segurança e funcionalidade das redes e o bom funcionamento da Internet, sempre se pautando pelas melhores práticas e padrões internacionais que versem sobre o tema.
Centralidade da atuação baseada em evidências
Entre as principais tendências que funcionarão como alavancas de transformação nos próximos anos, o Plano Estratégico da Anatel para o período de 2023 a 2027 identificou a demanda por uma regulação mais ágil, responsiva e articulada por parte da Anatel. Um dos pilares dessa nova atuação é o modelo de fiscalização regulatória, que é baseado na atuação responsiva da Agência, estabelecendo uma sistemática, em que o uso de evidências (dados, informações e análises) para motivar a tomada de decisão é central.
A fiscalização regulatória hoje aplicada pela Anatel corresponde ao conjunto de medidas de acompanhamento, análise, verificação, prevenção, persuasão, reação e correção, realizadas no curso dos processos de acompanhamento e de controle, com o objetivo de alcançar os resultados regulatórios esperados e promover conformidade e melhoria na prestação dos serviços de telecomunicações, bem como nos aspectos técnicos de radiodifusão.
O modelo implementado na Anatel determina ainda que a atividade regulatória deverá observar “a devida adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquela necessária ao atendimento do interesse público” (art. 4º, da Lei nº 13.848, de 25 de junho de 2019 – Lei das Agências), mais uma vez indicando a centralidade das evidências para a atuação da Agência.
Neste contexto, na primeira Tomada de Subsídios acerca do item 6 da Agenda Regulatória da Anatel para o biênio 2023-2024 (Tomada de Subsídios nº 13/2023), entre as questões realizadas para aumentar a compreensão acerca do ecossistema digital, foi realizada pergunta específica relacionada à potencial utilização positiva de ferramentas responsivas (Fiscalização Regulatória) no contexto digital (item 26 da Tomada de Subsídios).
Especificamente sobre o tema, foram recebidos importantes insumos para o aprimoramento desta AIR e para auxiliar a Agência nas eventuais escolhas e decisões acerca de sua atuação junto ao meio digital objeto deste documento.
Outra questão importante na condução dessa AIR é estabelecer como premissa que as alternativas de atuação de cada órgão regulador devem se restringir a sua competência no ecossistema digital. Dessa forma, ação regulatória deve ter por objetivo discutir o papel da Anatel no novo escopo apresentado pelos desafios do novo ecossistema digital, permitindo que a Agência atue, baseando sua atuação em evidências e na participação ativa de todos os atores relevantes, para regular os aspectos possíveis do ecossistema digital, de forma a contribuir para uma atuação coordenada do Poder Executivo, além de fomentar da discussão e da coordenação dos diversos órgãos do poder executivo frente aos novos desafios desse ecossistema.
Na Tomada de Subsídios nº 13/2013 foram pontuadas diversas interpretações sobre a possibilidade de atuação dos diversos órgãos reguladores na regulação do ecossistema digital, seja do ponto de vista do uso das redes, na alçada de competência da Anatel, seja de outros órgãos dentro de suas competências. Por vezes, se indica que a atuação institucional deve se restringir a definição e contestação de práticas ilegais por meio da atuação exclusiva no judiciário ou em atos de concentração e avaliação de condutas anticoncorrenciais no CADE, em uma avaliação ex-post das condutas.
Além disso, a própria atuação da Anatel, quanto a sua abrangência, também é contestada, com argumentações no sentido de que a Agência não poderia atuar, mesmo no contexto do uso de redes, a não ser para garantir o acesso irrestrito às redes de telecomunicações.
Tema 2 - Subtema 2.1
2.2 Subtemas, Hipóteses de Problema, Objetivos e Alternativas preliminares
Subtema 2.1: Necessidade de adequações para atuação responsiva no ecossistema digital.
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Hipótese de Problema
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Possibilidade de que o arcabouço normativo vigente possa não ser suficiente para uma eventual atuação regulatória de acompanhamento, fiscalização e controle da Anatel no ecossistema digital dentro de suas competências legais.
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Objetivos
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A presente ação tem por objetivo viabilizar/fundamentar a atuação regulatória responsiva da Anatel no ecossistema digital dentro de suas competências legais.
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Alternativas preliminares
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Alternativa A – Manutenção da estruturação atual (Status quo)
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Alternativa B – Revisão da estruturação de atuação regulatória da Agência, incluindo identificação de lacunas, e a implementação, por meio de plano de trabalho, de ajustes necessários no arcabouço regulatório atual.
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Alternativa C – Edição de nova regulamentação dedicada ao ecossistema digital dentro das competências legais da Agência.
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Contexto do problema
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Insumos colhidos na fase de tomada de subsídios alertam para a possibilidade de o atual marco regulatório de atuação responsiva (fiscalização regulatória), cujas regras gerais estão consubstanciadas no Regulamento de Fiscalização Regulatória, aprovado pela Resolução nº 746, de 22 de junho de 2021, e em normas regulatórias distribuídas na regulamentação da Agência, não contemplar/abarcar o ecossistema digital, dificultando a atuação do órgão regulador nessa arena. Ademais, houve indicação para a possível necessidade de ajustes nos regramentos temáticos específicos para viabilizar integralmente a atuação do regulador no ecossistema digital dentro de suas competências legais.
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Box 10 - Pergunta 17
Box 10: Avaliação do subtema, a hipótese de problema, os objetivos e alternativas elencadas.
Pergunta-se:
17) As hipóteses de problema, objetivos, e alternativas estão corretamente definidas para o subtema acima? Se sim, que dados e evidências corroboram sua afirmativa? Se não, que dados e evidências indicam que a hipótese de problema, objetivos, ou alternativas devem ser revistos ou mesmo excluídos? Justifique sua resposta com dados e análises quantitativas.
Tema 2 - Subtema 2.2
Subtema 2.2 Necessidade de fomentar capacidades nos órgãos reguladores do ecossistema digital
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Hipótese de Problema
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Possibilidade de haver pertinência/necessidade na atualização das capacidades do(s) órgão(s) regulador(es) para agirem no meio digital.
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Objetivos
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A presente ação tem por objetivo aprimorar as capacidades do órgão regulador para atuar junto ao ecossistema digital.
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Alternativas preliminares
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Alternativa A – Manutenção da estruturação atual (Status quo)
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Alternativa B – Aprimoramento do ferramental regulatório da Anatel (capacitações; cursos; TEDs, entre outros).
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Alternativa C – Intercâmbio de informações com outros stakeholders/atores nacionais e internacionais que atuam no ecossistema digital.
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Contexto do problema
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A atuação dos diversos órgãos reguladores para fomentar um ambiente propício para o desenvolvimento do mercado digital depende do desenvolvimento intenso de capacidades e de processos de trabalho eficientes, para que sua atuação seja um incentivador de boas práticas que estimulem uma competição saudável entre os agentes desse novo ecossistema.
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Box 11 - Pergunta 18
Box 11: Avaliação do subtema, a hipótese de problema, os objetivos e alternativas elencadas.
Pergunta-se:
18) As hipóteses de problema, objetivos, e alternativas estão corretamente definidas para o subtema acima? Se sim, que dados e evidências corroboram sua afirmativa? Se não, que dados e evidências indicam que a hipótese de problema, objetivos, ou alternativas devem ser revistos ou mesmo excluídos? Justifique sua resposta com dados e análises quantitativas.
Tema 2 - Subtema 2.3
Subtema 2.3: Necessidade de adequações de processos e fluxos de trabalho à realidade do ecossistema digital.
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Hipótese de Problema
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Possibilidade de a cadeia de valor da Anatel não estar adequada à realidade do ecossistema digital.
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Objetivos
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A presente ação tem por objetivo tornar a cadeia de valor da Anatel aderente à realidade do ecossistema digital.
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Alternativas preliminares
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Alternativa A – Manutenção da estruturação atual (Status quo)
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Alternativa B – Revisão da cadeia de valor da Anatel para possíveis adequações à realidade do ecossistema digital, com foco em processos e atividades.
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Alternativa C – Revisão da cadeia de valor da Anatel para possíveis adequações à realidade do ecossistema digital, com foco na estrutura organizacional.
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Contexto do problema
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A necessidade de ferramentas e processos eficazes para coleta de dados e informações, bem como para se ter um gerenciamento de riscos otimizado e uma atuação voltada à geração de incentivos para a excelência na oferta de serviços digitais, podem exigir adaptações nos processos e fluxos de trabalho do órgão regulador para se adequar à realidade do ecossistema digital.
Neste sentido, quanto à coleta de dados e informações, no ambiente digital, a quantidade de dados gerados é massiva, sendo a capacidade de coletar, armazenar e analisar esses dados fundamental para entender as operações e os riscos. A falta de ferramentas e processos adequados para lidar com essa grande quantidade de dados pode dificultar a capacidade de um órgão regulador de monitorar eficazmente o ambiente digital.
Quanto ao gerenciamento de riscos, tem-se que o ecossistema digital está sujeito a uma variedade de riscos, incluindo riscos de segurança cibernética, privacidade de dados, entre outros. A falta de visibilidade sobre esses riscos e a capacidade de respondê-los de maneira eficaz poderia impactar na capacidade do órgão regulador de atuar neste ecossistema. No mesmo sentido, é importante promover, para os setores digitais, práticas de negócios que beneficiem os consumidores e incentivem a inovação.
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Box 12 - Pergunta 19
Box 12: Avaliação do subtema, a hipótese de problema, os objetivos e alternativas elencadas.
Pergunta-se:
19) As hipóteses de problema, objetivos, e alternativas estão corretamente definidas para o subtema acima? Se sim, que dados e evidências corroboram sua afirmativa? Se não, que dados e evidências indicam que a hipótese de problema, objetivos, ou alternativas devem ser revistos ou mesmo excluídos? Justifique sua resposta com dados e análises quantitativas.
Tema 3 - 3.1 Contextualização do Tema
Tema 3: Desequilíbrio da proteção dos consumidores nos ambientes tradicional e digital
3.1 Contextualização do Tema
A Anatel coloca o consumidor na centralidade de suas ações, orientando as suas atividades de maneira a garantir, a toda a população, o acesso às telecomunicações, a tarifas e preços razoáveis e em condições adequadas.
Nos últimos 26 anos, especialmente sob a ótica do consumidor, o cenário das telecomunicações se modificou de maneira relevante. Passou-se de um cenário em que a transmissão de voz – seja por meios fixos ou com mobilidade - era o aspecto mais relevante e desejado para um cenário em que o que importa é a transmissão, emissão e recepção de informações multimídia em alta velocidade.
Essa transmissão de informações é utilizada pelo consumidor com uma finalidade específica de acesso a uma aplicação ou serviço hospedado na Internet. O que é, para os efeitos regulamentares, um acessório dos serviços de telecomunicações, ou, na expressão da LGT, um SVA, ganha centralidade absoluta sob a ótica do consumidor.
De fato, o que se constata pela visita ao site de qualquer grande prestadora de serviços de telecomunicações é que a própria oferta destes serviços, como o Serviço de Comunicação Multimídia - SCM e o Serviço Móvel Pessoal – SMP, está centrada, essencialmente, na velocidade de acesso à internet ou na quantidade de dados que podem ser trafegados.
As peças publicitárias são, portanto, sintomáticas de que streaming de vídeo, redes sociais, mecanismos de busca e outros serviços são, essencialmente, a razão de ser dos serviços de telecomunicações para os consumidores.
As próprias empresas de telecomunicações têm investido nos serviços baseados em internet. Um dos maiores agentes do mercado do SeAC anuncia seus pacotes não mais de “TV por assinatura”, mas de “TV & Streaming”.
Há evidente tendência ainda de que as empresas de telecomunicações atuem como agregadoras de conteúdo, ofertando, em conjunto com seus planos de “banda larga” serviços de streaming diversos para fruição do consumidor ou mesmo, agindo de forma verticalizada e ofertando ao usuário tanto o acesso à internet como a aplicação nela hospedada (neste cenário fornecida pelo mesmo grupo econômico).
Constata-se, portanto, um cenário cada vez mais convergente entre o setor de telecomunicações e os demais setores da economia digital. Uma convergência, que, inegavelmente, levanta algumas questões de estudo e problemas regulatórios relevantes.
Tal fator tem levado os consumidores a uma dificuldade tremenda de diferenciar quem é o ator responsável pela solução do seu problema. E a prática da Agência tem demonstrado que essa diferenciação não é trivial.
Se o streaming de vídeo contratado está travando com frequência ou não está atingindo a resolução esperada, de quem é a responsabilidade por essa “expectativa de qualidade”?
É praticamente inviável para o consumidor diferenciar se está acontecendo um problema no servidor do streaming, no roteamento do tráfego, no serviço de telecomunicações do consumidor ou em outro ponto da cadeia.
Quando esse streaming é contratado junto a uma prestadora de telecomunicações “tradicional”, que já oferta um outro serviço com conteúdo praticamente idêntico, mas que se configura como um serviço de telecomunicações, as expectativas do consumidor podem ser rapidamente frustradas.
São questões complexas e que dependem de muitas informações para serem técnica e juridicamente resolvidas com base na regulamentação atual, em que pese exista uma solução quando todos os dados são disponíveis.
Ocorre, contudo, que essa abordagem se afigura uma redução do problema sob a ótica do consumidor, que não sabe identificar corretamente o responsável pelo problema ou a quem deveria contatar para solucionar um problema de faturamento ou de acesso.
Esses fatores levam a problemas regulatórios que podem estar total ou parcialmente ao alcance da Agência, como se verá adiante, e que são, muitas vezes, agravados por uma relevante assimetria regulatória entre as diversas camadas da economia digital.
Tema 3 - Subtema 3.1
3.2 Subtemas, Hipóteses de Problema, Objetivos e Alternativas preliminares
Subtema 3.1: Inexistência de canais tradicionais de atendimento para os SVAs levam a reclamações em outros elos da cadeia do ecossistema digital, por exemplo, nas empresas de telecomunicações
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Hipótese de Problema
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As obrigações, no mercado brasileiro, de manutenção de canais de atendimento ao consumidor não existem para plataformas digitais. Esse fator enseja o encaminhamento de demandas para canais mais consolidados, como os das prestadoras de serviços de telecomunicações ou da Anatel.
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Objetivos
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A presente ação tem por objetivo reduzir as reclamações dos usuários de Serviços de Valor Adicionado por meio do estabelecimento de canais de atendimento adequados aos consumidores e maior sensibilização dos usuários.
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Alternativas preliminares
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Alternativa A – Manutenção da estruturação atual (Status quo)
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Alternativa B – Realização e estímulo a ações de educação para o consumo visando ao esclarecimento e à sensibilização quanto à incidência das obrigações de atendimento aos consumidores dos Serviços de Valor Adicionado, tendo como base o Código de Defesa do Consumidor (CDC) e normas correlatas.
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Alternativa C –Estabelecimento de obrigações mínimas de atendimento aos consumidores dos Serviços de Valor Adicionado.
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Contexto do problema
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O Decreto nº 11.034, de 5 de abril de 2022, determina a manutenção de serviços de atendimento ao consumidor com a finalidade de informação e tratamento de demandas. A regulação setorial também traz uma série de normas sobre a questão, regulando-se questões como o atendimento digital, por exemplo.
Além disso, a Agência mantém o sistema “Anatel Consumidor”, acessível por diversos canais (telefone, internet e aplicativo), que possibilita ao consumidor de serviços de telecomunicações demandar as prestadoras dos serviços por ela regulados. Muitos desses canais sequer mantêm serviços de atendimento ao consumidor em que é possível o contato com um ser humano.
Contudo, obrigação equivalente não existe para plataformas digitais, o que leva os consumidores a procurarem a Agência ou as suas prestadoras de telecomunicações para apresentarem reclamações diversas e que, em alguns casos, não estão relacionadas aos serviços de telecomunicações por elas prestados.
A título exemplificativo, em 2023, a Anatel recebeu mais de 10 mil reclamações relacionadas a plataformas digitais sem relação imediata com prestadoras de serviços de telecomunicações.
Essa questão frustra as expectativas dos consumidores destas plataformas, ao mesmo tempo em que gera custos para a Agência ou para as prestadoras de telecomunicações.
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Box 13 - Pergunta 20
Box 13: Avaliação do subtema, a hipótese de problema, os objetivos e alternativas elencadas.
Pergunta-se:
20) As hipóteses de problema, objetivos, e alternativas estão corretamente definidas para o subtema acima? Se sim, que dados e evidências corroboram sua afirmativa? Se não, que dados e evidências indicam que a hipótese de problema, objetivos, ou alternativas devem ser revistos ou mesmo excluídos? Justifique sua resposta com dados e análises quantitativas.
Tema 3 - Subtema 3.2
Subtema 3.2: Uso de dados em larga escala sem benefícios diretos ao consumidor.
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Hipótese de Problema
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Uso de dados em larga escala para fins diversos, incluindo publicidade dirigida e rentabilização pela oferta de serviços inovadores sem benefícios diretos ao consumidor.
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Objetivos
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A presente ação tem por objetivo dar transparência ao consumidor acerca da prática de coleta de dados em larga escala, empoderando o usuário para realizar decisões de consumo mais conscientes e estabelecendo claramente que a titularidade dos dados é do consumidor.
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Alternativas preliminares
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Alternativa A – Manutenção da estruturação atual (Status quo)
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Alternativa B – Realização de ações de educação para o consumo no sentido de informar aos consumidores sobre o uso de seus dados em larga escala.
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Alternativa C – Atuação da Agência na proteção de dados do consumidor relacionados às estações de telecomunicações utilizadas pelo usuário (identificação, localização, entre outros).
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Contexto do problema
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Os dados gerados pelas redes de telecomunicações, seus usuários, assim como aqueles relativos à interação com Serviços de Valor Adicionado são de extrema relevância para a construção de novos modelos de negócio na economia digital.
Os incentivos para que os diversos agentes informem os consumidores a respeito dessa coleta de dados em larga escala, assim como peçam o consentimento para efetuar tal atividade, são reduzidos, de forma que o consumidor pode se tornar vulnerável a essas práticas, ou mesmo, não ter benefícios tangíveis do uso dos dados gerados e dos serviços oferecidos.
O uso de dados dos usuários como estratégia de negócios é um fenômeno que cresceu junto com o comércio eletrônico. Vivemos a era dos dados e as empresas do mundo digital já tratam esses dados em seu benefício há muito tempo. Tamanho é o alcance desse gerenciamento de informações que a prática acabou por acionar um alerta mundial sobre a necessidade de regular e controlar essa conduta, assim como defender a privacidade e a segurança das pessoas.
Na Tomada de Subsídios nº 13/2023, foram registradas contribuições apontando a característica do modelo de negócios das plataformas digitais de uso dos dados pessoais dos consumidores em favor de suas estratégias. É o que se viu, por exemplo, no seguinte trecho da seguinte contribuição:
“Há, também, o fato de que o modelo de negócios das plataformas promove a fácil entrada desses agentes econômicos em diferentes mercados, uma vez que, conforme mencionado na pergunta anterior, eles têm acesso a um grande volume de dados pessoais dos usuários, além de possuírem a capacidade de tratá-los em grande escala. Deste modo, ocorre o favorecimento do mapeamento do perfil de consumo dos usuários e por consequência a apuração do desenvolvimento da oferta de serviços e produtos em variados segmentos – por exemplo, é o que ocorre na disputa direta entre: as chamadas via aplicativos dos Provedores, utilizando a infraestrutura de rede das Prestadoras, e as chamadas de uso regular de telecomunicações utilizando a estrutura de rede de voz, resultando, portanto, em uma competição desequilibrada. No mesmo sentido, constata-se também que mercados com efeitos de redes são mais propensos a criar estratégias de exclusão de concorrentes, através do favorecimento dos seus próprios produtos dentro do ecossistema digital.”
TOMADA DE SUBSÍDIOS ANATEL nº 13/2023 - Contribuição nº 335 (Telefônica).
Importa, a priori, saber quais dados são utilizados para desenvolver suas estratégias e de que forma eles conferem uma vantagem competitiva para as plataformas digitais. As categorias gerais de dados que as plataformas coletam e utilizam incluem:
- Informações demográficas: incluindo idade, sexo, educação, ocupação, entre outras.
- Informações geográficas: localização, histórico de localização do usuário, recorrências, habitualidade e tempo de permanência.
- Dados comportamentais: histórico de sites visitados, tempo consumido em páginas específicas, cliques em conteúdo, curtidas ou compartilhamentos, entre outros.
- Informações tecnológicas: dados técnicos dos aparelhos e computadores em geral como tipo de dispositivo (smartphone, tablet, desktop), sistema operacional, navegador, resolução de tela, entre outroas.
- Dados de engajamento: cliques, rolagem, tempo consumido no vídeo, tempo interagindo com anúncios, entre outros.
- Dados sociais: informações como identificação de amigos, participação em grupos, páginas curtidas, postagens e interações em geral.
- Informações de pesquisa: palavras-chave usadas, frequência de pesquisas, resultados clicados, entre outras.
- Histórico de compras: produtos ou serviços adquiridos, valores pagos, frequência de compras, tendências, entre outros.
- Dados psicográficos: interesses, hobbies, valores, estilo de vida, entre outros.
- Dados de engajamento: frequência de uso da plataforma, taxa de retorno, taxa de rejeição, entre outros.
- Dados de comunicação: e-mails abertos, cliques em links de e-mail, respostas a campanhas, entre outros.
- Feedback e classificações: comentários, classificações, respostas de pesquisas, entre outros.
- Identificadores exclusivos: cookies, identificação (Ids) de dispositivos, endereços IP, entre outros.
O uso desses dados possibilita às plataformas digitais levantarem perfis coletivos e individualizados dos usuários, dotando-as de grande capacidade informacional e preditiva, inclusive com o uso de Large Language Models (LLMs) e outras técnicas de perfilhamento. A construção das estratégias de marketing, com base nessas informações, permite atingir o público certo com a melhor mensagem para aquele momento. Vários são os usos para os dados dos usuários.
Destaca-se, como exemplo, recente matéria publicada no Jornal The New York Times[6] sobre a coleta de informações de menores de 13 anos de idade sem anuência dos responsáveis pelas crianças e adolescentes.
Há ainda uma relevante assimetria no tratamento das informações dos usuários por parte das plataformas digitais. As empresas de telecomunicações não podem se valer de informações relativas à utilização individual do serviço pelo usuário para atividades estranhas à execução de suas atividades (LGT, art. 72).
Esse mesmo grau de proteção, contudo, não chega a ser estendido aos Serviços de Valor Adicionado, que coletam uma miríade de informações sobre os usuários – inclusive quanto ao uso das redes de telecomunicações – e utilizam esse tipo de informação para prover publicidade mais relevante para o consumidor.
Nesse sentido, a Agência deve avaliar a utilização dos instrumentos ao seu dispor para desincentivar ou ao menos empoderar o consumidor na escolha sobre como os seus dados são utilizados.
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[6] https://www.nytimes.com/2023/11/25/technology/instagram-meta-children-privacy.html
Box 14 - Pergunta 21
Box 14: Avaliação do subtema, a hipótese de problema, os objetivos e alternativas elencadas.
Pergunta-se:
21) As hipóteses de problema, objetivos, e alternativas estão corretamente definidas para o subtema acima? Se sim, que dados e evidências corroboram sua afirmativa? Se não, que dados e evidências indicam que a hipótese de problema, objetivos, ou alternativas devem ser revistos ou mesmo excluídos? Justifique sua resposta com dados e análises quantitativas.
Tema 3 - Subtema 3.3
Subtema 3.3: Abusividade do uso de franquia de banda larga móvel, com custo ao consumidor, durante a exposição de publicidade em vídeos, aplicativos e qualquer outro instrumento de mídias e/ou redes sociais.
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Hipótese de Problema
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O problema a ser analisado diz respeito à interação entre a franquia de dados vigente para a banda larga móvel (Serviço Móvel Pessoal) e a publicidade veiculada em dispositivos móveis, notadamente a realizada com vieses de abusividade dado o seu volume e/ou características, tais como intrusividade e inevitabilidade por parte do consumidor.
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Objetivos
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A presente ação tem por objetivo proteger o consumidor dessas formas de abusividade, evitando intrusividade e inevitablidade dessas, entre outras formas de abuso, com impacto em custos aos usuários, de forma a informar o consumidor de possíveis restrições no uso dos serviços de maneira involuntária para estes, com o consumo inadvertido de suas franquias de banda larga móvel.
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Alternativas preliminares
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Alternativa A – Manutenção da estruturação atual (Status quo)
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Alternativa B – Estabelecimento de medidas de informação e educação ao consumidor quanto ao consumo da franquia de dados pela veiculação dessas formas de publicidade.
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Alternativa C – Estímulo à conscientização do consumidor quanto à existência e ao uso de mecanismos de bloqueio de anúncios.
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Alternativa D – Estabelecimento, para o consumidor, da possibilidade de solicitar a ativação de bloqueadores de anúncios em toda a rede.
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Alternativa E – Atuação junto aos provedores de Serviços de Valor Adicionado para redução da quantidade de tráfego gerado no âmbito de anúncios.
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Alternativa F – Estabelecimento de mecanismos de zero rating, sob a ótica do consumidor, para anúncios publicitários.
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Contexto do problema
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Como sabido, a praxe no mercado brasileiro é o estabelecimento, para o Serviço Móvel Pessoal, de planos de serviço com franquias de dados associadas. O quantitativo de tráfego dessa franquia, normalmente calculado em gigabytes, é um dos pontos mais centrais das ofertas divulgadas pelas prestadoras para os seus planos deste serviço.
Alguns planos de serviço preveem ainda: (a) a complementação da “franquia base” com uma franquia em decorrência da forma de pagamento escolhida (por exemplo, pagamento em cartão de crédito), por ofertas sazonais (por exemplo, dia dos pais) ou outros fatores decorrentes das políticas comerciais da prestadora; (b) franquias específicas para determinados aplicativos ou serviços (por exemplo, uma quantidade de gigabytes adicional para serviços de streaming de vídeo); e, (c) zero rating, serviços específicos que, em decorrência de políticas das empresas, não descontam da franquia de dados (por exemplo, apps de mensageria, redes sociais, apps de navegação).
A hipótese de problema diz respeito à interação entre esse tipo de franquia de dados e a publicidade veiculada em dispositivos móveis, notadamente a realizada com vieses de abusividade dado o seu volume e/ou características como intrusividade e inevitabilidade por parte do consumidor.
Veja-se que não se está aqui a tratar de publicidade abusiva, nos termos do art. 37, § 2º, do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990), mas da mera quantidade de dados trafegados e das características de sua exibição, independentemente de qual o efetivo conteúdo publicitário está sendo transmitido.
Os mecanismos de publicidade online podem assumir diversos formatos (como banners e anúncios em vídeo), mas também podem configurar o chamado branded content, em que a própria publicidade é indistinta do conteúdo que é buscado pelo consumidor.
Atualmente, no mercado dos Estados Unidos, os dispositivos móveis concentram cerca de 73,5% do total da receita de publicidade na internet (PwC/IAB Internet Advertising Revenue Report 2022). Em que pese a maior parte da receita de publicidade decorra das buscas online, os maiores crescimentos de receita estão associados a áudio (podcasts, streaming de música, entre outros) e vídeo (PwC/IAB Internet Advertising Revenue Report 2022), denotando uma maior tendência de uso desse tipo de mídia para a apresentação de publicidade, o que inegavelmente atrai um maior uso de dados do que texto ou imagens estáticas.
Esse fator, associado às franquias vigentes no SMP, pode findar por restringir o uso dos serviços pelos consumidores de maneira involuntária para estes.
Também é inegável que, ausente mecanismos de financiamento por assinaturas ou outros elementos similares que demandam o pagamento por parte de consumidores, os mecanismos de publicidade online e direcionada são, sem sombra de dúvidas, um dos principais mecanismos de financiamento do ecossistema digital.
Nesse sentido, a maior dificuldade a ser enfrentada para solução da hipótese de problema diz respeito à caracterização do volume de tráfego gerado pelo conteúdo publicitário como abusivo, especialmente sob a perspectiva de uma análise exclusiva da camada de rede, uma vez que as prestadoras de serviços de telecomunicações – destinatárias do RGC – salvo em seus próprios sites ou aplicativos, não tem influência sobre o conteúdo transmitido.
Obs.: O Conselho Diretor, quando da deliberação de mérito do Processo nº 53500.061949/2017-68, determinou que fosse incluída a presente temática no estudo da Análise de Impacto Regulatório do Regulamento de Deveres dos Usuários.
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Box 15 - Pergunta 22
Box 15: Avaliação do subtema, a hipótese de problema, os objetivos e alternativas elencadas.
Pergunta-se:
22) As hipóteses de problema, objetivos, e alternativas estão corretamente definidas para o subtema acima? Se sim, que dados e evidências corroboram sua afirmativa? Se não, que dados e evidências indicam que a hipótese de problema, objetivos, ou alternativas devem ser revistos ou mesmo excluídos? Justifique sua resposta com dados e análises quantitativas.
Tema 3 - Subtema 3.4
Subtema 3.4: Proteção ao Consumidor às especificidades do ambiente digital: nudges, dark patterns e outras formas de abusividade
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Hipótese de Problema
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O ambiente digital propicia a utilização e aprimoramento de mecanismos comportamentais que possuem profunda influência no consumidor e em suas decisões de consumo, por vezes de forma abusiva.
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Objetivos
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A presente ação tem por objetivo mitigar mecanismos comportamentais abusivos que podem influenciar de forma equivocada as decisões de consumo.
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Alternativas preliminares
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Alternativa A – Manutenção da estruturação atual (Status quo)
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Alternativa B – Aperfeiçoamento dos mecanismos de informação ao consumidor constantes da última revisão do RGC.
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Alternativa C – Tipificação de condutas e estabelecimento de mecanismos de repressão de mecanismos comportamentais que levem consumidores a decisões equivocadas de consumo.
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Contexto do problema
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O tema das dark patterns vem recebendo atenção da academia e de organismos internacionais, especialmente por parte da OCDE, que, recentemente, consolidou em um Digital Economic Paper os seus achados sobre o tema (https://www.oecd-ilibrary.org/science-and-technology/dark-commercial-patterns_44f5e846-isso).
O que resta claro desses estudos é que, em que pese o fenômeno possa ser facilmente apreendido por exemplos e experiências concretas e mais extremas, trata-se, em primeiro lugar, de um conceito difícil de ser elaborado com abrangência suficiente para incluir todas as práticas atuais e as que ainda vão ser desenvolvidas em decorrência do avanço de ciências comportamentais e mesmo de experiências concretas de fornecedores de produtos ou serviços (e.g. “A/B Tests”).
Em que pese o mandato da Agência quanto ao tema tenha limitações, a eventual regulamentação resultante do presente estudo de impacto regulatório pode prevenir a utilização desse tipo de expediente por parte dos grandes usuários, à similitude do que foi feito por parte da Agência quanto ao mercado de telecomunicações no âmbito do RGC como condicionante à contratação e ao uso de redes por parte dos SVAs (LGT, art. 61, § 2º).
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Box 16 - Pergunta 23
Box 16: Avaliação do subtema, a hipótese de problema, os objetivos e alternativas elencadas.
Pergunta-se:
23) As hipóteses de problema, objetivos, e alternativas estão corretamente definidas para o subtema acima? Se sim, que dados e evidências corroboram sua afirmativa? Se não, que dados e evidências indicam que a hipótese de problema, objetivos, ou alternativas devem ser revistos ou mesmo excluídos? Justifique sua resposta com dados e análises quantitativas.
Tema 4 - 4.1 Contextualização do Tema
Tema 4: Indícios de competição desequilibrada entre os atores do ecossistema digital
4.1 Contextualização do Tema
A conexão e a capacidade de comunicação entre as pessoas independentemente da distância é algo que inegavelmente passou por uma evolução gigantesca nos últimos tempos. Em um século passamos da invenção do telefone e do rádio para a era da Internet e seu alcance mundial (World Wide Web). A análise que aqui se pretende fazer – mais do que necessária para o momento que vivemos – busca investigar se a Internet chegou de fato aos mesmos mercados onde já habitavam as empresas de telecomunicações ou se estamos diante de novos mercados.
Temos, então, de um lado, serviços de telecomunicações, cujo funcionamento, operações e relações são muito bem acompanhados no Brasil em função do trabalho de regulação desenvolvido ao longo de anos, desde a privatização no setor. De outro lado, serviços oferecidos por empresas que normalmente nasceram no meio digital e são comumente chamadas de plataformas digitais, e que competem com os serviços de telecomunicações sem possuir um marco legal ou regulatório bem estruturado.
Uma das consequências diretas disso é que as prestadoras de telecomunicações são obrigadas a cumprir deveres muito bem definidos (incluindo metas específicas a serem alcançadas), cuja execução é verificada por meio do acompanhamento regulatório, enquanto as plataformas digitais estão quase que completamente livres dessas obrigações. Essa situação de vácuo regulatório nos mercados digitais vem gerando uma série de desafios em temas diversos como competitividade, privacidade, segurança cibernética, desinformação, disseminação de conteúdos perigosos, exclusão digital, entre outros.
No plano da competição, tem-se a questão da substituição entre os serviços prestados pelas plataformas digitais e os serviços prestados pelas prestadoras de telecomunicações, verificando-se o que se tem chamado de “assimetria regulatória” entre atores que competem nos mesmos mercados ou mercados análogos[7]. Em verdade, o que se vê é a ausência de peso regulatório em um lado da balança – o das plataformas digitais, e um sobrepeso regulatório do outro lado da balança – o das prestadoras de telecomunicações. Por isso, é de suma importância que se faça a análise sobre os potenciais impactos dessa diferença regulatória na competição e o que esperar do desenvolvimento dos mercados nessa realidade.
Outros elementos também importantes ao se discutir a competição quando relacionada aos mercados digitais diz respeito a como acordos e contratos entre agentes nativos digitais e as prestadoras de serviços de telecomunicações podem afetar ambos os mercados. Nessa esteira pode-se incluir modelos como o zero rating[8], acesso patrocinado[9], data rewards[10], entre outros.
[8] Modelo onde os usuários não pagam às operadoras para acessar determinado conteúdo ou aplicações, como as de redes sociais. Há modelos que o usuário mantém o acesso ao conteúdo ou aplicações mesmo após o término da franquia de dados e modelos que o usuário não mantém o acesso. Esse modelo pode ser decorrente de acordo em operadora e provedora da aplicação ou por iniciativa própria da operadora.
[9] Modelo onde o detentor do conteúdo ou aplicação remunera a prestadora pelo tráfego de dados gerado por seus usuários.
[10] Modelo voltado a redes móveis onde o usuário ganha recompensa, na forma de dados, para acessar qualquer conteúdo em razão da aquisição de um produto ou serviço, baixar um aplicativo, se registrar em um site ou aplicativo, alcançar uma meta em um jogo, entre outras formas. Nesse modelo, quem remunera a operadora pelo incremento de dados é a empresa responsável pelo produto ou serviço adquirido, ou pelo site ou aplicativo, entre outros.
Box 17 - Pergunta 24
Box 17: Assimetrias regulatórias e zero rating.
Pergunta-se:
24) Considerando a assimetria regulatória entre os serviços prestados pelas plataformas digitais e os serviços prestados pelas prestadoras de telecomunicações, qual elemento você considera o mais gravoso?
Box 17 - Pergunta 25
25) Como você acha, do ponto de vista da regulação econômica, que modelos como o zero rating, acesso patrocinado, data rewards, entre outros, podem afetar (positiva e negativamente) os mercados envolvidos nesse tipo de modelo?
Box 17 - Pergunta 26
26) Você já participou de algum tipo de acordo como o zero rating, acesso patrocinado, data rewards, entre outros? Caso positivo, poderia descrever as condições?
Tema 4 - 4.1 (cont.)
Durante a Tomada de Subsídios nº 13/2023, já foram trazidos alguns casos relevantes em que a Anatel se debruçou sobre discussões envolvendo aplicações e serviços fornecidos por meio da Internet, entre eles o enquadramento regulatório dos serviços de streaming de vídeo por subscrição (sVOD) em razão do caso Claro-Fox/Topsports, e como essa discussão evidenciou a necessidade premente de avaliar o relacionamento entre prestadoras de serviços de telecomunicações e de SVA. Além de outros, como o caso das mensagens SMS Corporativas (Caso Zenvia x Telefônica) e do RGI – ADPF nº 546.
Não apenas os casos citados, mas todo o ecossistema digital traz desafios complexos, tão complexos quanto a própria cadeia produtiva que vem se conformando com a consolidação dos serviços digitais e seu entrelaçamento com serviços tradicionais. A título de exemplo, pode-se trazer a ilustração da cadeia produtiva apresentada pela consultoria Analysys Mason[11] no âmbito de um contrato com o regulador britânico Ofcom[12]:
Figura 2 – Cadeia Produtiva do Ecossistema Digital e sua complexidade.
A partir da visão apresentada no relatório da Analysys Mason, é possível ter um vislumbre da complexidade estabelecida nesse ambiente. Embora as condições de interação e até as próprias interações sejam muito dependentes de aspectos também próprios de cada jurisdição, por exemplo, as interações na cadeia produtiva do SeAC são lastreadas em aspectos definidos na Lei nº 12.485, de 12 de setembro de 2011 (“Lei do SeAC”) no caso brasileiro, outras jurisdições podem tratar de maneira diversa tais interações.
Apesar de particularidades em razão de tratamentos locais, alguns aspectos da cadeia produtiva envolvendo serviços digitais podem ser evidenciados nas diversas jurisdições, potenciais falhas de mercado, por exemplo. A avaliação das falhas de mercado é fator preponderante das discussões sobre mercados digitais. Isso porque esses mercados impactam o dia a dia dos cidadãos de maneira direta e indireta, situação que foi inclusive reforçada pelo próprio Ofcom[13]:
1.9 (...) De forma geral, à medida que os mercados digitais se tornaram centrais para todos os aspectos das comunicações, as falhas de competição nestes mercados têm o potencial de enfraquecer a competição existente no fornecimento de serviços críticos. (tradução livre)
Embora durante a Tomada de Subsídios nº 13/2023 tenham sido apresentadas contribuições afirmando a inexistência de falhas de mercado, vários são os estudos que têm demonstrado a existência dessas falhas nos mercados digitais[14], [15], [16]. Cabe destacar que falhas de mercado não estão necessariamente presentes com intensidade uniforme nos diversos mercados digitais, mas isso não suporta o argumento de que tais falhas não existem ou de que podem ser desprezadas, ao passo que também não devem ser objeto de medidas para seu tratamento uniformes e desproporcionais.
No ambiente digital, algumas das falhas de mercado que têm sido identificadas são:
- Externalidades;
- Barreiras à entrada;
- Barreiras à mudança de fornecedor;
- Tendência ao monopólio / concentração do mercado;
- Assimetria de informação.
Importante observar que falhas de mercado não são originais ou exclusivas dos mercados digitais. O setor de telecomunicações tradicional também convive com falhas de mercado, que são analisadas e tratadas pela atuação regulatória, quando requerida. Temos como exemplo, o Plano Geral de Metas de Competição (PGMC), que busca avaliar eventuais problemas no varejo dos serviços de telecomunicações e eventuais falhas de mercado de modo a propor medidas a serem cumpridas pelos agentes identificados como detentores de Poder de Mercado Significativo (PMS) no atacado.
Diante disso, é possível estabelecer que a mera identificação de falhas de mercado não requer necessariamente de pronto atuação regulatória. Além disso, onde a atuação seja a alternativa mais adequada, essa deve acontecer de maneira proporcional. Diante disso é importante que cada falha e o mercado em que ela está presente sejam analisados individualmente, inclusive mercados relacionados.
Box 18 - Pergunta 27
Box 18: Mercados digitais, cadeia de valor e falhas de mercado.
Pergunta-se:
27) Na sua visão qual a cadeia valor que melhor pode representar o ecossistema digital e, principalmente, as interfaces entre serviços digitais e os serviços de telecomunicações tradicionais?
Box 18 - Pergunta 28
28) Considerando que os mercados digitais são diversos, em quais desses mercados você considera que há maior possibilidade de competição entre serviços substitutos e os serviços de telecomunicações tradicionais?
Box 18 - Pergunta 29
29) Considerando as falhas de mercado identificadas para os mercados digitais, quais dessas falhas você considera mais proeminentes?
Box 18 - Pergunta 30
30) Nos mercados digitais em que há competição entre serviços substitutos e serviços de telecomunicações tradicionais, quais as principais falhas de mercado que você identifica?
Box 18 - Pergunta 31
31) Sua empresa atua em algum segmento em que há competição entre serviços substitutos e serviços de telecomunicações tradicionais? Caso positivo, quais produtos ou serviços que você oferta podem ser considerados substitutos dos serviços de telecomunicações tradicionais?
Tema 4 - 4.1.1 Outros agentes do ecossistema digital
4.1.1 Outros agentes do ecossistema digital
Conforme abordado anteriormente, as interações nos mercados digitais são diversas e complexas e os agentes nos setores envolvidos têm características muitas vezes também diversas. Esse fenômeno do surgimento e massificação dos mercados digitais, formado principalmente com a chegada da era da Internet e os desdobramentos mercadológicos desse evento, trouxeram novos agentes, ou mesmo tornaram agentes antes complementares em figuras fundamentais ao mercado e à competição.
4.1.1.1 Redes de Distribuição de Conteúdo – Content Delivery Networks (CDN)
Nessa esteira, cita-se as Content Delivery Networks[17] (CDN), que já ganharam relevância incontestável, viabilizando o acesso a dados (conteúdo, armazenamento, redes sociais, entre outros) mais próximos ao usuário, de maneira a aprimorar a experiência do próprio usuário e economizar custos com trânsito de dados aos ISPs. Atualmente, um ISP necessita, quase que obrigatoriamente, viabilizar o acesso aos players de CDN de maneira a viabilizar sua oferta de SCM a seus clientes, que irão, em grande parte, consumir conteúdos de plataformas de streaming de vídeos e redes sociais.
Diante da sua relevância crescente, existem preocupações relacionadas a tais atores, tendo em vista que a ausência de soluções de CDN pode implicar não apenas na perda da qualidade para o usuário, pois o consumidor não seria capaz de distinguir de maneira clara qual o responsável pela degradação de conteúdo, como também potenciais impactos competitivos decorrentes da diferença entre um ISP com capacidade de contratar CDN e outro não.
Em nível global os principais agentes[18] nesse mercado são os seguintes:
Figura 3 – Principais agentes no mercado de CDNs.
Não há visibilidade sobre como está e qual o comportamento desse mercado na realidade brasileira. Na Tomada de Subsídios nº 13/2023 houve tão somente relatos de alguns atores desse mercado de que o investimento em infraestrutura necessária para o provimento de CDN é alto em sua implantação, manutenção e operação.
Ainda, conforme subsídio encaminhado à Anatel, tais centros de dados já investem em diversas soluções diferenciadas para oferta aos ISP, como parcerias de rede com os próprios provedores de internet, peering em POI/POP, em que são criados servidores caches em localização mais próxima ao ISP, e até ofertas de trânsito, subcontratado de provedores de rede IP globais. Ou seja, mesmo que de forma não tradicional, tais soluções compõem definitivamente de maneira relevante a cadeia de valor do provimento de acesso à Internet.
Resta claro que é fundamental uma maior visibilidade tanto do funcionamento quanto dos agentes que atuam nesse segmento.
[17] Na definição adotada na União Internacional de Telecomunicações (UIT): o CDN é um sistema de servidores distribuídos que entregam conteúdo aos usuários com base em critérios pré-definidos, tais como a localização geográfica dos usuários, o status do servidor de entrega de conteúdo e a conexão da rede IP. ITU-T Y.2084 (06/2015) Distributed service networking content distribution functions. Disponível em: https://www.itu.int/ITU-T/recommendations/rec.aspx?rec=12511
Box 19 - Pergunta 32
Box 19: Content Distribution Networks – CDNs.
Pergunta-se:
32) Você já teve algum tipo de disputa (administrativa ou judicial) com um provedor de CDN? Caso positivo, descreva o caso.
Box 19 - Pergunta 33
33) Sua empresa atua como fornecedora no segmento de CDN? Caso positivo, apresente nome e sítio eletrônico dos 10 (dez) principais concorrentes.
Box 19 - Pergunta 34
34) Sua empresa atua como fornecedora no segmento de CDN? Caso positivo, apresente o número de clientes, o total das vendas, em termos de valor (faturamento bruto) e volume no Brasil para os últimos 5 (cinco) anos.
Box 19 - Pergunta 35
35) Sua empresa atua como contratante do segmento de CDN? Caso positivo, apresente os fornecedores, o total compras, em termos de valor e volume no Brasil para os últimos 5 (cinco) anos.
Box 19 - Pergunta 36
36) Sua empresa presta serviços de telecomunicações e utiliza CDN? Caso positivo, informe como é a solução adotada para a implantação ou contratação de CDN?
Box 19 - Pergunta 37
37) Sua empresa presta serviços de telecomunicações e utiliza CDN? Caso positivo, qual a relevância dos custos relacionados à CDN em relação ao provimento do serviço de telecomunicações?
Tema 4 - 4.1.1 (cont.)
4.1.1.2 Plataformas digitais
As mudanças decorrentes do surgimento e massificação dos mercados digitais também propiciou o surgimento e avanço de grandes plataformas digitais, chamadas de “Big Techs”, agentes nativos digitais e que vêm gerando debates e requerido iniciativas de atuação no mundo inteiro.
O poder dessas empresas, decorrente de sua grande capacidade econômica e técnica, tem abalado os diversos mercados em que se inserem, sejam eles nativos digitais ou mercados tradicionais, agora contestados. E não é para menos, pois o que se tem verificado é que o poder dessas plataformas é caracterizado por alta capacidade de investimento, domínio técnico, concentração ou tendência ao monopólio dos mercados onde atuam, muitas dessas características também atribuídas aos agentes já estabelecidos em vários dos mercados contestados por essas empresas.
Para se ter uma dimensão da capacidade econômica dessas empresas, podemos verificar a apuração recente da Forbes Índia, em que são listadas as 10 (dez) maiores empresas do mundo por valor de mercado:
Tabela 1 - Top 10 Empresas por Valor de Mercado em 2023
Pos
|
Empresa
|
Setor
|
Valor de mercado (em USD)
|
1
|
Apple
|
Tecnologia
|
$2.728 trilhões
|
2
|
Microsoft
|
Tecnologia
|
$2.344 trilhões
|
3
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Saudi Aramco
|
Oil & Gas
|
$2.241 trilhões
|
4
|
Alphabet (Google)
|
Tecnologia
|
$1.640 trilhões
|
5
|
Amazon
|
E-commerce
|
$1.339 trilhões
|
6
|
Nvidia
|
Tecnologia
|
$1.028 trilhões
|
7
|
Berkshire Hathaway
|
Investimentos diversificados
|
$803.41 bilhões
|
8
|
HSBC Holdings plc
|
Banco e Serviços Financeiros
|
$778.66.43 bilhões
|
9
|
Tesla
|
Automotivo
|
$775.43 bilhões
|
10
|
Meta Platforms
|
Mídia Social
|
$765.28 bilhões
|
Fonte: FORBES ÍNDIA[19].
Além de seu valor de mercado, outro ponto que chama a atenção é a valorização das ações dessas empresas, especialmente quando comparadas a agentes tradicionais de telecomunicações. Como exemplo, abaixo é apresentado o histórico do valor das ações de algumas empresas nativas digitais e agentes tradicionais do setor de telecomunicações, ambos os casos considerando empresas que compõem o S&P500[20]:
Figura 4 – Valor das ações das empresas no S&P500.
Fonte: Yahoo Finance[21]
Tais informações dão conta que existe muita expectativa e leitura do mercado financeiro de que tais empresas têm alta capacidade de investimento e domínio técnico nos mercados onde atuam, o que por sua vez gera expectativa quanto ao valor do seu negócio.
Box 20 - Pergunta 38
Box 20: Provedoras de SVA, substituição e outros aspectos.
Pergunta-se:
38) Você já teve algum tipo de disputa (administrativa ou judicial) com um provedor de SVA? Caso positivo, descreva o caso.
Box 20 - Pergunta 39
39) Considerando os segmentos com serviços substitutos aos serviços de telecomunicações tradicionais, sua empresa atua como fornecedora no provimento de algum SVA? Caso positivo, apresente nome e sítio eletrônico dos 10 (dez) principais concorrentes, entre provedores de SVA e serviços de telecomunicações tradicionais.
Box 20 - Pergunta 40
40) Considerando os segmentos com serviços substitutos aos serviços de telecomunicações tradicionais, sua empresa atua como fornecedora no provimento de algum SVA? Caso positivo, apresente, para cada serviço, o número de clientes, o total das vendas, em termos de valor (faturamento bruto) e volume no Brasil para os últimos 5 (cinco) anos.
Tema 4 - 4.1.2 Descrição das falhas de mercado
4.1.2 Descrição das falhas de mercado
Retomando a discussão a respeito das falhas de mercado, abaixo está uma descrição sucinta sobre as falhas de mercado que têm sido identificadas. Cabe o destaque que as falhas de mercado muitas vezes podem se manifestar conjuntamente bem como reforçar efeitos umas das outras.
4.1.2.1 Externalidades
Externalidades são efeitos de uma atividade econômica que afetam terceiros não diretamente envolvidos naquela atividade. O termo “externalidade” sugere que os efeitos estão fora ou além da transação principal (logo, externos). Elas podem ser positivas, quando a atividade tem um efeito benéfico sobre terceiros, ou negativas, quando esses efeitos são prejudiciais para os atingidos.
Um dos tipos de externalidade bem descrito na literatura são as chamadas externalidades de rede. Também conhecidas por efeitos de rede, estas externalidades são um tipo que se traduz no valor que o acréscimo de um usuário repercute em um negócio. Quanto mais usuários o negócio possui, maior o valor do negócio para cada usuário. Os efeitos podem ser diretos ou indiretos:
- Efeitos diretos: quanto mais usuários, maior o valor da plataforma para cada usuário e mais difícil é para os competidores entrarem nesse mercado.
- Efeitos indiretos: o maior uso de um serviço estabelece um padrão tecnológico no setor que induz terceiros a inventarem e desenvolverem produtos com tecnologias compatíveis e que podem ser utilizadas de forma complementar ao serviço inicial.
No caso dos mercados digitais, esse tipo de falha de mercado é caracterizado quando se observa que, quanto maior o número de usuários determinado produto (por exemplo, uma rede social ou aplicativo de mensagens), maior o interessante dos demais usuários em participar daquela rede ou aplicativo de mensagem.
Esse tipo de falha de mercado também é observado no setor de telecomunicações tradicional e já é objeto de medidas pró-competição a longa data como, por exemplo, redução dos valores de terminação de em redes móveis (VU-M)[22].
4.1.2.2 Barreiras à entrada
Barreiras à entrada – ou de entrada – são todos os fatores que representem obstáculos ao surgimento de novas empresas em um mercado, desafiando a competitividade nesse mercado. São dois os principais tipos de barreiras de entrada: naturais e artificiais:
- Barreiras naturais: são aquelas que surgem naturalmente sem a necessidade de uma intervenção artificial ou estratégica. Entre as barreiras naturais, pode-se citar como exemplos as economias de escala, custos irrecuperáveis, custos iniciais proibitivos e barreiras geográficas.
- Barreiras artificiais: ao contrário das barreiras naturais, ocorrem quando algum interessado age deliberadamente criando obstáculos ao surgimento de novas empresas no intuito de proteger os interesses das empresas já estabelecidas naquele mercado. São barreiras artificiais típicas as patentes, a integração vertical, as marcas consolidadas, políticas de preço predatórias, entre outras.
No caso dos mercados digitais, os desafios à entrada são bastante evidenciados, como, por exemplo, na necessidade que o potencial competidor tem de estabelecer infraestrutura de suporte muitas vezes com disponibilidade global[23], bem como alcançar uma massa de dados suficiente para conseguir competir[24].
Essa falha de mercado também é objeto de intervenção regulatória no setor de telecomunicações a longa dada, uma vez que essa indústria é conhecida pelos elevados custos de implantação das redes de telecomunicações, o que acaba por representar uma barreira à entrada bastante substantiva.
4.1.2.3 Barreiras à mudança de fornecedor
Barreiras à mudança de fornecedor (“switching costs”) se caracterizam quando é custoso, não necessariamente sob o ponto de vista monetário, para o usuário trocar de fornecedor de determinado serviço. Isso, por sua vez, torna difícil para potenciais competidores em conquistar os consumidores de um concorrente estabelecido.
Uma característica das plataformas digitais que chama a atenção e inclusive foi citada algumas vezes na Tomada de Subsídios nº 13/2023 é a do alto custo de troca entre as plataformas. Ao utilizar um serviço, o usuário gera dados que são coletados e acumulados pelas plataformas. Quando as plataformas digitais não possuem conexão entre elas, não permitindo uma troca de usuários entre plataformas que prestam o mesmo serviço, assim como muitas vezes não preveem a possibilidade de portabilidade dos dados dos usuários, custo de troca é muito alto, constituindo uma barreira à mudança de fornecedor, e, portanto, evidenciando a falha de mercado.
A barreira à mudança tende então a tornar aquele mercado pouco competitivo. A empresa - normalmente a pioneira - que consegue impor sua plataforma e alcançar escala, passa a concentrar um poder de mercado cada vez maior, configurando o efeito winner-take-all.
Esse tipo de efeito é o que se vê muito claramente em apps de redes sociais e de comunicação. Por exemplo, o mercado dos aplicativos de comunicação que permitem a interação direta por voz e vídeo e a troca de mensagens, arquivos e áudios é dominado, no Brasil e em outros países, pelo Whatsapp (Grupo META)[25].
Ainda que existam opções concorrentes, fica claro que esses não conseguem representar uma concorrência de fato, pois sua penetração - e a capacidade de penetrar - é muito menor e limitada e a barreira à mudança (além de outras falhas, como externalidades de rede) é latente, pois uma pessoa só consegue interagir com alguém que use o WhatsApp usando o mesmo aplicativo. São vários os fatores que podem constituir barreiras à mudança, como:
- Perda de Dados e Informações: sem a portabilidade, ao mudar de uma plataforma para outra, os usuários perdem acesso a dados importantes, como históricos de conversas, preferências personalizadas, conteúdo criado, arquivos compartilhados, entre outros.
- Impossibilidade de interoperabilidade: isto é, o usuário não consegue usar a plataforma digital de sua preferência para se comunicar ou realizar trocas diversas com outras plataformas. Acaba sendo forçado a usar aquilo que sua rede de contatos usa.
- Reaprendizado e adaptação: novas plataformas digitais podem ter interfaces e funcionalidades diferentes. Os usuários precisam investir tempo e esforço para aprender a usar a nova plataforma, o que pode ser um obstáculo significativo, especialmente se estiverem confortáveis com a plataforma antiga. E, nesse sentido, as plataformas criam verdadeiros ecossistemas para que o usuário se acostume cada vez mais com o seu tipo de ambiente digital, estranhando tudo o que for diferente.
- Redes sociais e comunidade: plataformas que envolvem aspectos sociais ou comunitários criam um custo de troca elevado, pois os usuários podem perder o acesso a uma rede estabelecida de contatos e comunidades.
- Custo financeiro: algumas plataformas requerem investimentos iniciais, como assinaturas ou compras in-app, que não são transferíveis para outras plataformas. Portanto, ao mudar, os usuários podem perder o valor já investido.
De acordo com o Relatório do Stigler Committee on Digital Platforms[26], levar a interoperabilidade para esses mercados pode ser uma alternativa de eliminação às barreiras de mudança.
As externalidades de rede como uma potencial barreira à entrada não são um fenómeno novo: elas atormentaram a indústria telefônica em seu início. Para eliminar este problema, os Estados Unidos forçaram a interoperabilidade entre as várias companhias telefónicas - a AT&T é obrigada a conectar chamadas iniciadas por consumidores da T-Mobile. O mesmo deve ser feito com as mídias sociais. Obrigar não apenas uma interface de programa de aplicativo (API) aberta, mas também comum, permitiria que diferentes sistemas de mensagens se conectassem entre si. Ao fazer isso, uma API comum garante a interoperabilidade e elimina as externalidades de rede que impulsionam a natureza “winner-take-all” do mercado de mídia social.
STIGLER COMMITTEE ON DIGITAL PLATFORMS. Final Report. 2019. p. 19.
Esse tipo de falha de mercado já foi identificado e tratado no setor de telecomunicações. Isso aconteceu, por exemplo, na regulação no setor de telecomunicações com a criação da possibilidade de portabilidade[27] do número do assinante na telefonia. O número do assinante sempre foi elemento importante para a identificação do assinante, especialmente para prestadores de serviços e empresas, que têm no número telefônico elemento fundamental de sua identificação e contato com potenciais clientes. Nesse sentido, até o advento da portabilidade, os assinantes tinham um elevadíssimo custo de mudança, e, desse modo, a portabilidade deu força ao consumidor, criou estímulo à competição e forçou as prestadoras do serviço a repensarem suas estratégias de marketing e retenção de clientes, incentivando o investimento na qualidade do serviço e na satisfação dos clientes.
Outro bom exemplo de redução de barreiras à mudança, nesse caso em agentes do setor financeiro, é o Open Finance[28]. Essa inciativa representou uma mudança significativa na maneira como as informações bancárias dos clientes são acessadas e compartilhadas entre diferentes instituições financeiras e serviços de terceiros, criando padrões de dados compartilhados, APIs abertas, soluções de segurança e garantia de controle dos dados por seus titulares.
4.1.2.4 Tendência ao monopólio (efeito Winner Take All/Most) ou Concentração do mercado (oligopólio)
À medida que as falhas dos mercados ganham força, elas rumam para a antítese da concorrência, que é o monopólio. Este ocorre quando uma empresa ou um grupo econômico consegue controlar a totalidade de um determinado mercado. As externalidades da rede e as barreiras à entrada e à mudança, quando encontram campo para evolução, tendem a levar as empresas dominantes ao ponto mais alto do mercado em que atuam e o poder que essas empresas acumulam pode tornar a concorrência inviável.
Esses mesmos aspectos também podem incorrer em concentração de mercado (oligopólio). Diferentemente do monopólio, no oligopólio este controle é realizado por um grupo de empresas. O poder dessas empresas favorece sua perpetuação por meio do uso de estratégias que impedem ou dificultam a entrada de novos agentes, resultando em falhas na concorrência naquele mercado.
Algumas características dos mercados digitais ajudam a fortalecer o risco de exercício de posição de controle e dominância, como a economia de escala e escopo, o fato de a empresa ser a pioneira naquele mercado, os custos de troca (switching costs), entre outros. Todos esses elementos em conjunto podem levar os mercados digitais ao monopólio ou a concentração (oligopólio).
Durante um bom tempo, especialmente após o período de desestatização, o mercado de telecomunicações teve comportamento que tendia ao monopólio, e ações anteriores observando risco desta falha já buscaram tratar possíveis efeitos, como a previsão das empresas “espelho”. Outras medidas ao longo do tempo foram e vêm sendo adotadas em vários mercados de telecomunicações, não apenas para evitar que eles caminhem na direção de potencial monopólio, mas também para evitar que uma situação de oligopólio se estabeleça de maneira perene.
[22] Conforme instituído pelo Ato Nº 987, de 18 de fevereiro de 2020.
[23] A disponibilidade tecnológica de acesso a conteúdo, conectividade e facilidades a nível global (CDNs, cloud, disponibilidade redes de cabos submarinos, etc), não deve ser confundida com viabilidade econômica, uma vez que garantir disponibilidade e escala globais deve representar custo não desprezível para entrantes nos mercados digitais.
Box 21 - Pergunta 41
Box 21: Barreiras à mudança de fornecedor.
Pergunta-se:
41) O que impede ou dificulta a entrada de novas empresas nos mercados digitais? Cite exemplos e fontes de informação.
Box 21 - Pergunta 42
42) Há obstáculos de financiamento e investimento para a entrada e expansão nos mercados digitais? Quais são? Que medidas poderiam ser tomadas para melhorar este cenário?
Box 21 - Pergunta 43
43) De que forma a complexidade tecnológica configura um obstáculo à entrada de novos concorrentes nos mercados digitais? Quais medidas poderiam ser tomadas para contornar esta barreira?
Box 21 - Pergunta 44
44) Como a legislação e a regulamentação atual no Brasil afetam a capacidade de entrada e competição nos mercados digitais?
Box 21 - Pergunta 45
45) O que seria necessário alterar na legislação ou regulamentação atual no Brasil para aprimorar a competitividade nos mercados digitais?
Box 21 - Pergunta 46
46) Quais medidas a Anatel deve tomar para buscar uma competição equilibrada entre Serviços de Valor Adicionado que podem substituir os serviços de telecomunicações?
Tema 4 - 4.1.2 (cont.)
4.1.2.5 Assimetria de informação
A assimetria de informação é considerada uma falha de mercado que ocorre quando um agente tem mais informações sobre um produto ou serviço que seu concorrente, gerando assim uma vantagem competitiva para o primeiro.
No contexto dos mercados digitais, isso fica bastante evidenciado uma vez que a informação (dados dos usuários) em si é insumo primordial de vários desses mercados, seja no próprio mercado ou para mercados em outras partes da cadeia de valor que o agente que trata e coleta aqueles dados atua. Prover serviços de boa qualidade e com elevado grau de customização pode representar diferencial competitivo nesses mercados (e em mercados correlatos). Portanto, quando um agente possui massa de dados muito superior aos concorrentes, a competição com esse agente estabelecido pode tornar-se inviável.
O uso desses dados possibilita às plataformas digitais levantarem perfis coletivos e individualizados dos usuários dotando-as de grande capacidade informacional e preditiva. A construção das estratégias de marketing, com base nessas informações, permite atingir o público certo com a melhor mensagem para aquele momento. Essa capacidade é de difícil duplicação, seja por razões técnicas ou econômicas.
As prestadoras de serviços de telecomunicações, por sua vez, tem maior dificuldade em obter e organizar dados dos usuários, uma vez que seu modelo de negócios não alcança o mesmo volume de acesso e controle dos dados dos usuários, além de obedecerem a regras mais restritivas na medida em que operam em setor regulado. Outro aspecto é que muitas das informações relevantes à competição no setor de telecomunicações estão disponíveis de maneira ampla: localização (áreas de concentração urbana, por exemplo), renda[29], perfil dos usuários[30], presença e perfil de competidores[31], entre outras.
Box 22 - Pergunta 47
Box 22: Assimetria de informação.
Pergunta-se:
47) Qual é a sua opinião sobre a promoção de medidas de incentivo à interoperabilidade entre as plataformas digitais? Quais medidas poderiam ser adotadas nesse sentido?
Box 22 - Pergunta 48
48) Qual é a sua opinião sobre a promoção de medidas de incentivo à portabilidade de dados dos usuários entre as plataformas digitais? Quais medidas poderiam ser adotadas nesse sentido?
Box 22 - Pergunta 49
49) Há falta de transparência nos mercados digitais no Brasil? O que deveria ser mais transparente? Quais medidas concretas podem tornar os mercados digitais mais transparentes?
Tema 4 - 4.1.3 Atuação da Anatel em conflitos entre SVA e prestadoras de serviços de telecomunicações
4.1.3 Atuação da Anatel em conflitos entre SVA e prestadoras de serviços de telecomunicações
Outra externalidade natural do processo competitivo são os conflitos entre agentes atuantes em um mercado. Nesse sentido, vale citar a atuação da Anatel quando da resolução de conflitos envolvendo atores digitais. Durante a Tomada de Subsídios nº 13/2023 já foram citados alguns casos em que a Anatel se debruçou sobre discussões envolvendo aplicações e serviços fornecidos por meio da Internet.
Um caso notório trata-se de reclamações administrativas entre um Broker[32] de SMS e grandes prestadoras do SMP. Um Broker de SMS atua viabilizando junto aos seus clientes finais (plataformas digitais, bancos, entre outros) serviços via SMS-A2P (autenticação[33] por exemplo).
Nesse caso, em específico, como cabe à Anatel, conforme §2º do art. 61, supracitado, regular o relacionamento entre os SVA e as prestadoras de telecomunicações, foi solicitado à Agência que atuasse frente à iniciativa de reajuste supostamente abusivo por parte das MNO (Mobile Network Operator).
No caso em pauta, verificou-se que o modelo de negócio do Broker dependia de valores por SMS competitivos, com descontos quando comparados aos SMS P2P (person to person). Além disso, as prestadoras do SMP são monopolistas na terminação de chamadas e mensagens aos seus próprios assinantes, de maneira que o serviço de autenticação via SMS A2P dependia de contratos específicos com as prestadoras do SMP.
O exemplo mencionado ilustra a dinâmica de relacionamentos complexos entre SVA e prestadoras de telecomunicações. Em deliberação quanto às referidas reclamações, exarou-se uma determinação de avaliação do serviço de envio massivo de SMS-A2P no âmbito do PGMC, em revisão pela Agência no âmbito do item 12 da Agenda Regulatória 2023-2024, para avaliação do mercado no âmbito da regulamentação de competição da Anatel[34].
[32] “Integradoras”, “Intermediadoras” ou “Brokers” são as empresas que ofertam o serviço de comunicação corporativa A2P (application to person) aos seus Clientes Diretos e que, portanto, contratam quantidades massivas de SMS junto às operadoras móveis.
[33] Aplicativos dos clientes encaminham códigos de verificação para autenticação via dois fatores, prática adotada amplamente como boa medida de segurança por diversos aplicativos.
Tema 4 - 4.1.4 Identificando o desequilíbrio regulatório
4.1.4 Identificando o desequilíbrio regulatório
Os agentes que atuam no ecossistema digital, inclusive aqueles que prestam serviços na área das comunicações, possuem a natureza de SVA.
Desse modo, tem-se que nos mercados digitais onde competem empresas prestadoras de serviço de telecomunicações, com legislação e regulamentação específicos, e empresas prestadoras de SVA, sem acompanhamento regulatório amplamente previsto em lei e sem regulamentos próprios e específicos que coordenem e acompanhem suas atividades.
Isto, claro, não significa que o SVA está totalmente livre de regras em sua atuação. No caso das plataformas digitais, cujo modelo de negócios é intrínseco à Internet, aplicam-se regras do MCI, na qualidade de provedores de aplicação, e seu relacionamento com as prestadoras de serviços de telecomunicações pode ser objeto de atuação pela Anatel, nos termos do que prevê a LGT.
Logo, ocorre o que se chama “assimetria regulatória”, que se verifica quando diferentes agentes ou setores da economia são regulados de maneiras distintas, mesmo quando realizam atividades similares ou concorrentes. E esta diferença na regulação pode conferir vantagens ou desvantagens competitivas para um grupo em relação ao outro.
Em algumas situações, a proposição de assimetrias é mecanismo importante na promoção do ambiente competitivo, vide a atuação da Anatel, por exemplo, no âmbito do PGMC[35]. No entanto, quando essa assimetria se dá por fragilidades legais ou regulatórias, ela é capaz de causar problemas severos no ambiente competitivo.
Esse aspecto é tratado em detalhes no tema 6 desta avaliação preliminar.
Tema 4 - Subtema 4.1
4.2 Subtemas, Hipóteses de Problema, Objetivos e Alternativas preliminares
Subtema 4.1: Substituição e complementação de serviços de telecomunicações e novos serviços.
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Hipótese de Problema
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Serviços de Valor Adicionado podem substituir de serviços de telecomunicações em condições de competição desequilibradas.
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Objetivos
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A presente ação tem por objetivo incentivar práticas e condutas competitivas e fomentar o bom funcionamento do mercado.
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Alternativas preliminares
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Alternativa A – Manutenção da estruturação atual (Status quo)
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Alternativa B – Atuação da Anatel, no escopo de suas competências, para editar regulamentação dos aspectos possíveis relativos ao ecossistema digital de serviços substitutos de serviços de telecomunicações.
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Alternativa C – Atuação da Anatel, no escopo de suas competências, para regular os aspectos possíveis do ecossistema digital que podem afetar a competição no mercado de telecomunicações e mercados digitais correlatos.
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Alternativa D – Desregulamentação dos serviços de telecomunicações para equalizar o piso competitivo com serviços substitutos.
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Contexto do problema
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A conexão e a capacidade de comunicação entre as pessoas independentemente da distância é algo que inegavelmente passou por uma evolução gigantesca nos últimos tempos. Em um século passamos da invenção do telefone e do rádio para a era da Internet e seu alcance mundial (World Wide Web). A análise que aqui se pretende fazer – mais do que necessária para o momento que vivemos – busca investigar se a Internet chegou de fato aos mesmos mercados onde já habitavam as empresas de telecomunicações ou se estamos diante de novos mercados.
Temos, então, de um lado, serviços de telecomunicações, cujo funcionamento, operações e relações são muito bem acompanhados no Brasil em função do trabalho de regulação desenvolvido ao longo de anos, desde a privatização no setor. De outro lado, serviços oferecidos por empresas que normalmente nasceram no meio digital e são comumente chamadas de plataformas digitais, e que competem com os serviços de telecomunicações sem possuir um marco legal ou regulatório bem estruturado.
Uma das consequências diretas disso é que as prestadoras de telecomunicações são obrigadas a cumprir deveres muito bem definidos (incluindo metas específicas a serem alcançadas), cuja execução é verificada por meio do acompanhamento regulatório, enquanto as plataformas digitais estão quase que completamente livres dessas obrigações. Essa situação de vácuo regulatório nos mercados digitais vem gerando uma série de desafios em temas diversos como competitividade, privacidade, segurança cibernética, desinformação, disseminação de conteúdos perigosos, exclusão digital, entre outros.
No plano da competição, tem-se a questão da substituição entre os serviços prestados pelas plataformas digitais e os serviços prestados pelas prestadoras de telecomunicações, verificando-se o que se tem chamado de “assimetria regulatória” entre atores que competem nos mesmos mercados ou mercados análogos[36]. Em verdade, o que se vê é a ausência de peso regulatório em um lado da balança – o das plataformas digitais, e um sobrepeso regulatório do outro lado da balança – o das prestadoras de telecomunicações. Por isso, é de suma importância que se faça a análise sobre os potenciais impactos dessa diferença regulatória na competição e o que esperar do desenvolvimento dos mercados nessa realidade.
Outros elementos também importantes ao se discutir a competição quando relacionada aos mercados digitais diz respeito a como acordos e contratos entre agentes nativos digitais e as prestadoras de serviços de telecomunicações podem afetar ambos os mercados. Nessa esteira pode-se incluir modelos como o zero rating[37], acesso patrocinado[38], data rewards[39], entre outros.
Partindo-se, então, dessas constatações podem ser elencadas e avaliadas eventuais falhas de mercado e dessa forma identificar eventuais desequilíbrios. Desse modo, tem-se que nos mercados digitais onde competem empresas prestadoras de serviço de telecomunicações, com legislação e regulamentação específicos, e empresas prestadoras de SVA, sem acompanhamento regulatório amplamente previsto em lei e sem regulamentos próprios e específicos que coordenem e acompanhem suas atividades.
Isto, claro, não significa que o SVA está totalmente livre de regras em sua atuação. No caso das plataformas digitais, cujo modelo de negócios é intrínseco à Internet, aplicam-se regras do MCI, na qualidade de provedores de aplicação, e seu relacionamento com as prestadoras de serviços de telecomunicações pode ser objeto de atuação pela Anatel, nos termos do que prevê a LGT.
Logo, ocorre o que se chama “assimetria regulatória”, que se verifica quando diferentes agentes ou setores da economia são regulados de maneiras distintas, mesmo quando realizam atividades similares ou concorrentes. E esta diferença na regulação pode conferir vantagens ou desvantagens competitivas para um grupo em relação ao outro.
Em algumas situações, a proposição de assimetrias é mecanismo importante na promoção do ambiente competitivo, vide a atuação da Anatel, por exemplo, no âmbito do PGMC[40]. No entanto, quando essa assimetria se dá por fragilidades legais ou regulatórias, ela é capaz de causar problemas severos no ambiente competitivo.
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[37] Modelo onde os usuários não pagam às operadoras para acessar determinado conteúdo ou aplicações, como as de redes sociais. Há modelos que o usuário mantém o acesso ao conteúdo ou aplicações mesmo após o término da franquia de dados e modelos que o usuário não mantém o acesso. Esse modelo pode ser decorrente de acordo em operadora e provedora da aplicação ou por iniciativa própria da operadora.
[38] Modelo onde o detentor do conteúdo ou aplicação remunera a prestadora pelo tráfego de dados gerado por seus usuários.
[39] Modelo voltado a redes móveis onde o usuário ganha recompensa, na forma de dados, para acessar qualquer conteúdo em razão da aquisição de um produto ou serviço, baixar um aplicativo, se registrar em um site ou aplicativo, alcançar uma meta em um jogo, entre outras formas. Nesse modelo, quem remunera a operadora pelo incremento de dados é a empresa responsável pelo produto ou serviço adquirido, ou pelo site ou aplicativo, entre outros.
Box 23 - Pergunta 50
Box 23: Avaliação do subtema, a hipótese de problema, os objetivos e alternativas elencadas.
Pergunta-se:
50) As hipóteses de problema, objetivos, e alternativas estão corretamente definidas para o subtema acima? Se sim, que dados e evidências corroboram sua afirmativa? Se não, que dados e evidências indicam que a hipótese de problema, objetivos, ou alternativas devem ser revistos ou mesmo excluídos? Justifique sua resposta com dados e análises quantitativas.
Tema 5 - 5.1 Contextualização do Tema 5.1.1 Crescimento do tráfego de dados e investimentos em conectividade
Tema 5: Distribuição de investimentos na infraestrutura de rede entre os agentes do ecossistema digital
5.1 Contextualização do Tema
5.1.1 Crescimento do tráfego de dados e investimentos em conectividade
As telecomunicações desempenham papel cada vez mais central na sociedade moderna. A digitalização do trabalho, da educação e mesmo das relações sociais ensejou a migração para o ambiente virtual de uma série de experiências antes reservadas ao “mundo real”. Ainda, a efervescência de tecnologias emergentes, como sistemas de inteligência artificial e dispositivos de realidade estendida, aponta não apenas para a continuidade dessa tendência, mas para o seu aprofundamento, uma vez que todas essas inovações seguem ancorando seu funcionamento no elemento da conectividade.
Ilustrativamente, em evento da indústria no ano de 2022, o CEO da META, Mark Zuckerberg, declarou que a realização plena da experiência do metaverso requererá “avanços massivos em conectividade, maiores que qualquer mudança já vista antes”[41]. A companhia elenca entre os requisitos mínimos de rede uma latência extremamente reduzida, a construção de enlaces simétricos, além de inovações em áreas como a compressão de vídeos, computação de borda e mesmo na gestão do espectro[42]. Resta claro que a evolução do ecossistema digital depende de relevantes transformações na conexão, assim como permanece em aberto a definição sobre o financiamento desse processo.
Na esteira da transformação digital, o tráfego de dados cursado por meio das redes de telecomunicações vem apresentando crescimento vertiginoso, assim como desponta a demanda na sociedade pela experiência de uma conectividade ubíqua e ininterrupta. A fim de permitir que a infraestrutura de telecomunicações acompanhe pari passu o ritmo da evolução tecnológica e dê vazão aos novos níveis de exigência colocados, o setor investe parcela expressiva de suas receitas.
Ilustrativamente, por ocasião da Tomada de Subsídios nº 13/2023, a Conexis Brasil Digital reportou um montante de investimentos setorial na ordem de R$100 bilhões em 2021. Os desembolsos incidiriam, segundo relatado, em uma vasta gama de atividades, tais como: infraestrutura, aquisição de espectro, expansão e automação das redes de entrega de conteúdo, conectividade satelital, offload das redes móveis por WiFi apoiadas em redes FTTH, sites e datacenters – incluindo os recursos necessários em transmissão de dados para a integração de tais centros.
Box 24 - Pergunta 51
Box 24: Investimentos em conectividade.
Pergunta-se:
51) Considerando-se somente o mercado brasileiro, quais seriam as cifras de investimentos em infraestrutura de conectividade, em termos nominais e em relação às receitas auferidas, realizadas pelos principais agentes da cadeia de valor do ecossistema digital, incluindo prestadoras de serviços de telecomunicações de grande, médio e pequeno porte, plataformas digitais e outras provedoras de SVA?
Tema 5 - 5.1.2 Capacidade de geração de receita, lucratividade e sustentabilidade do ponto de vista das prestadoras de serviços de telecomunicações
5.1.2 Capacidade de geração de receita, lucratividade e sustentabilidade do ponto de vista das prestadoras de serviço de telecomunicações
Apesar de compor um segmento inerentemente de capital intensivo, as prestadoras acusam uma capacidade progressivamente menor de recuperação dos investimentos. A cada nova geração de rede, as operadoras seriam obrigadas, em seu ponto de vista, a dispender vultosos recursos para renovação de sua arquitetura, sob o risco de significativa perda de mercado em caso de inércia. Segundo tais agentes, o intervalo entre uma geração e a seguinte viria se reduzindo expressivamente, em sentido oposto aos aportes necessários, o que impossibilitaria tempo hábil para retorno destes aportes.
Nada obstante, apesar da tendência ascendente da curva de consumo, acompanhada pelos números de investimento, a receita dos operadores da infraestrutura de conectividade apresentaria viés de queda. Os gráficos a seguir ilustrariam a alegada dinâmica[43]:
Figura 5 – Receitas dos operadores da infraestrutura de conectividade.
FONTE: Conexis Brasil Digital
Figura 6 – Investimento dos operadores da infraestrutura de conectividade.
FONTE: Conexis Brasil Digital
[43] Relatório Desempenho do Setor de Telecomunicações; disponível em: https://conexis.org.br/numeros/estatisticas/
Box 25 - Pergunta 52
Box 25: Capacidade de geração de receita, lucratividade e outros aspectos.
Pergunta-se:
52) Alega-se que a capacidade de geração de receita por acesso apresenta sinais de estagnação, seja em função de características do produto ou da concorrência do mercado, prejudicando qualquer expectativa de reversão desse quadro. Qual é o comportamento da ARPU nos últimos 5 (cinco) anos e as expectativas e tendência para os próximos 5 (cinco) anos?
Box 25 - Pergunta 53
53) Como o desenvolvimento de novos modelos de negócio voltados ao business to business estão influenciando ou poderão impactar a dinâmica de mercado percebida atualmente?
Tema 5 - 5.1.2 (cont.)
Em face de um aparente desequilíbrio no comportamento das curvas de faturamento e de despesas relacionados à oferta de conectividade, tanto na operação quanto na expansão da rede, diversos agentes da indústria de telecomunicações passaram a externar, de modo progressivamente mais vocal, a necessidade de recomposição das contribuições de cada elo da cadeia de valor para o financiamento da infraestrutura de uso comum.
De acordo com as prestadoras de telecomunicações, a migração de valor entre as camadas da cadeia digital, saindo dos serviços de telecomunicação em direção aos SVA, ameaçaria a sustentabilidade da rede, pressionada por uma cobrança excessiva e crescente por investimentos, seja em resposta ao incremento vertiginoso da demanda, seja pela imposição de requisitos elevados de velocidade e cobertura por políticas públicas.
Sob essa perspectiva, a indústria de telecomunicação, segundo estas prestadoras, estaria suportando a expansão de outros setores sem uma contrapartida devida, denotando espécie de subsídio cruzado. Na análise da evolução do montante global da cadeia de conectividade, a perda de representatividade das camadas de infraestrutura e, principalmente, de conectividade em contraste com o avanço expressivo da participação do elo de serviços digitais seria ilustrativa de tal dinâmica[44] :
Figura 7 – Evolução da Cadeia de Valor de Telecomunicações – divisão do market-size.
FONTE: Relatório Desempenho do Setor de Telecomunicações; disponível em: https://conexis.org.br/numeros/estatisticas/
Na perspectiva dos operadores de rede, a relação com os provedores de SVA seria, assim, duplamente prejudicial ao setor de infraestrutura: em uma vertente, a existência de serviços Over-the-top (OTT) substitutos dos tradicionais serviços de telecomunicação, beneficiados pela ausência de carga regulatória, canibalizaria a capacidade de geração de receitas das telecomunicações; em uma segunda dimensão, o surgimento de tecnologias caracterizadas por demandas incrementais de recursos de computação e de dados drenaria o caixa da operadora em decorrência do esforço incessante de expansão da infraestrutura de conectividade, tanto em termos de vazão e velocidade quanto de descentralização e distribuição da rede.
No contexto da Tomada de Subsídios nº 13/2023, os grandes grupos de telecomunicação corroboraram a visão acima. Nada obstante, cabe frisar que o entendimento não é unânime mesmo dentro do setor de telecomunicações. Refletindo a heterogeneidade do mercado nacional, prestadoras de médio e pequeno porte também utilizaram a oportunidade para registrar posicionamento próprio no debate. Para esse conjunto de agentes, haveria uma tendência de queda no tocante aos custos dos insumos de transmissão, de forma que as rubricas mais vultosas não diriam respeito à questão da capacidade, mas sim à remuneração pelo uso de postes, a direitos de passagem, ao acesso à dutos existentes, ao licenciamento de sites.
[44] “Produto IV. Projeção de cenários de Evolução”, elaborado no âmbito da consultoria contratada para suporte da revisão do plano estratégico da ANATEL
Tema 5 - 5.1.3 Capacidade de geração de receita, lucratividade e sustentabilidade do ponto de vista dos agentes nativos digitais
5.1.3 Capacidade de geração de receita, lucratividade e sustentabilidade do ponto de vista dos agentes nativos digitais
De modo diametralmente oposto, os agentes nativos digitais defendem a total desnecessidade de qualquer interferência no relacionamento entre usuários e detentores de rede. Na acepção desse setor, inexistiria indício concreto de falha de mercado que justificasse intervenção regulatória. No limite, na hipótese da determinação de compensação financeira das plataformas para as operadoras, estas acabariam sendo remuneradas duplamente pela prestação de um mesmo serviço: de modo recorrente pelo usuário e sob demanda pelas aplicações.
O racional das plataformas digitais no debate em tela se concentra, como visto no conjunto de subsídios, em três eixos centrais.
No primeiro, os provedores de SVA ressalvam o papel de suas soluções na orientação da demanda. Nesse sentido, a existência de aplicações com requisitos elevados de franquia e velocidade constituiria o principal driver da oferta de dados. Assim, demandas crescentes de conectividade ensejariam a contratação de planos e promoções mais sofisticados e, por consequência, mais rentáveis. De forma sinérgica, os investimentos em rede propiciariam um ecossistema robusto e propenso à inovação, resultando em ganhos compartilhados transversais a toda a cadeia de valor.
Complementarmente, as plataformas relatam contribuição direta na infraestrutura de distribuição de conteúdo, notadamente por meio da ampliação no número de Content Delivery Networks - CDN[45]. O posicionamento de CDN na borda da rede, ou seja, mais próximo do consumidor, possibilita o atendimento pronto de requisições mais populares entre o público. A desnecessidade de consulta aos servidores centrais da plataforma teria o condão de aliviar a pressão sobre os trechos de transporte, mais centralizados. Ainda, os atores de maior escala apontam para diversas iniciativas de grande porte na construção de malha própria, com destaque para o lançamento de extensões significativas de cabos submarinos[46], assim como de constelações satelitais[47].
Ademais, as provedoras de SVA seriam responsáveis por uma série de outras ações com efeitos positivos sobre o tráfego, a exemplo de medidas de gerenciamento do tráfego, serviços na nuvem, disponibilização de data centers, interconexão entre ISPs e peering, com benefícios diretos para a experiência do usuário, como menor latência. Ainda, enfatizaram o aperfeiçoamento da eficiência do uso da rede com a contínua otimização e desenvolvimento de novos padrões e mecanismos de compressão de áudio e vídeo (CODECs), área que os provedores de SVA são muito atuantes.
Por fim, consta ressalva quanto ao perfil de custo das redes atuais no sentido de que os gastos com a rede de acesso de fibra ótica, que responderiam por acima de 80% do total, segundo contribuições enviadas à Tomada de Subsídios nº 13/2023, e seriam altamente inelásticos em relação ao tráfego transitado.
Ainda na referida Tomada de Subsídios nº 13/2023, apontam para a ausência de números que consubstanciem o risco de um potencial estrangulamento da rede, a partir das projeções de demanda correntes. A expectativa de estabilidade estaria ancorada nas economias de escala presentes na operação, na diminuição dos custos de equipamentos e enlaces de alta capacidade, bem como na entrega contínua de tráfego por meio de caches localizados e CDNs. Em arremate, indicam que os custos de transporte de dados têm constantemente caído, tendo os custos de tráfego em massa diminuído continuamente há mais de uma década.
Aos pontos suscitados, soma-se ainda preocupação acerca da real destinação de eventuais fundos destinados ao setor de telecomunicações, independentemente do formato da contribuição. Os contribuintes apontam para a dificuldade de garantir que os recursos sejam de fato aplicados no financiamento da rede, e não para o custeio de outras despesas ou mesmo incorporados aos resultados das prestadoras. A implementação de mecanismos de accountability, potencialmente onerosos e complexos, surgiria como requisito indispensável.
[45] Na definição usualmente adotada na União Internacional de Telecomunicações: o CDN é um sistema de servidores distribuídos que entregam conteúdo aos usuários com base em critérios pré-definidos, tais como a localização geográfica dos usuários, o status do servidor de entrega de conteúdo e a conexão da rede IP.
[46] Segundo o relatório IMPACTO ECONÔMICO DA REDE DE CABOS SUBMARINOS
DO GOOGLE NA AMÉRICA LATINA E CARIBE: “Os investimentos de cabos submarinos do Google estão beneficiando a conectividade e o ambiente digital na LAC, levando a um Produto Interno Bruto (PIB) de US$178 bilhões entre 2017 e 2027, suportando em torno de 740.000 trabalhos até 2027”; disponível em https://www.analysysmason.com/contentassets/8a483ec735914753b2cfe41fe8444864/analysys-mason_economic-impact-of-google-submarine-cable-in-lac_portuguese.pdf
Tema 5 - 5.1.4 Contexto regulatório da internet e o debate da sustentabilidade
5.1.4 Contexto regulatório da Internet e o debate da sustentabilidade
Para a adequada compreensão dos argumentos setoriais acima elencados, insta abordar o contexto regulatório que moldou os atuais regramentos do uso das redes, a exemplo do princípio da neutralidade da rede. O conjunto normativo vigente foi estabelecido no alvorecer da Internet, visando, precipuamente, resguardar a inovação no ambiente digital da imposição de gargalos artificiais por parte dos detentores da rede. A assimetria do poder de barganha então existente era caracterizada por uma elevada concentração de poder nas mãos das operadoras de telecomunicações, plenamente capazes de restringir o acesso a aplicações infantes. Nada obstante, verifica-se que tal equilíbrio de forças, ao menos para um conjunto determinado de plataformas, alterou-se fundamentalmente.
O conjunto dessas plataformas coincide com a liderança no ranking de capitalização não apenas do mercado digital, mas da economia em geral, como visto na apresentação do tema 4. Para esse recorte de atores, pode-se advogar pela inversão da capacidade negocial. No contexto dos grandes conglomerados digitais, a eventual degradação da performance de uma aplicação, propositadamente infligida pelos detentores de rede, traria prejuízos significativamente superiores para este último, esvaziando eventual ameaça de boicote.
O consumidor atual beneficia-se de um mercado de telecomunicações com baixos custos de troca, seja na oferta de banda larga móvel ou fixa, de forma que uma experiência de navegação insatisfatória em aplicação de alto interesse implicaria, primordialmente, a contratação de um novo fornecedor de conectividade. Ainda nessa seara, mesmo quedas de desempenho originadas na aplicação são usualmente entendidas pelo consumidor como falhas no serviço de telecomunicações, comportamento que corrobora a percepção anterior. Ilustrativamente, apenas no primeiro semestre de 2023, a Central de Atendimento da ANATEL registrou aproximadamente 10.000 reclamações relacionadas ao consumo de serviços OTT, o que denota uma clara confusão dos consumidores acerca do posicionamento de cada agente entre as diversas camadas da cadeia de valor digital. Tal situação ainda é agravada pela inexistência de canais tradicionais de atendimento disponibilização pelos serviços OTT, conforme discutido no tema 3.
Para além dos aspectos negociais e técnicos, a discussão ainda tangencia os princípios basilares da própria Internet. Nas palavras de Tim Berners-Lee, o “pai da Internet”, a Web deveria ser “aberta, acessível e livre para todos”. A filosofia em tela terminou por balizar a criação e o desenvolvimento da rede mundial, com ênfase para a ausência de uma entidade central responsável pela gestão da rede.
Destarte, a Internet sempre foi entendida como um ambiente de livre circulação da informação, constituindo um bem público, ou mesmo um direito da humanidade. Nesse prisma, diversos atores do ecossistema apontam para o risco inerente a qualquer alteração ensejada por motivações econômicas. Os pleitos dos detentores da infraestrutura de telecomunicações no contexto dos debates comumente denominados de “contribuição justa”, “fair share” ou mesmo “fair contribution” seriam ilustrativos do perigo e remontariam, conforme descrito acima, às preocupações que marcaram o início da Internet. Dado o controle técnico sobre os recursos da conexão, a legitimação de práticas tidas como discriminatórias sobre o tráfego - ainda que de maneira indireta, como na diferenciação de preços – terminaria por criar verdadeiros gatekeepers da informação, orientados por uma lógica meramente comercial, descasada do interesse da maioria.
Em uma escala global, os efeitos de tais medidas seriam ainda mais deletérios. Diante de taxas e cobranças atreladas ao tráfego, ou “network fees”, as plataformas seriam incentivadas a restringir suas ofertas a mercados de maior poder aquisitivo, alienando por inteiro do ecossistema digital, e de seus benefícios para a humanidade, países em desenvolvimento ou de menor desenvolvimento relativo.
O exemplo sul-coreano é comumente lembrado para ilustrar o perigo da intervenção estatal, ainda que bem-intencionada, sobre o relacionamento entre provedores de conteúdo e de conectividade[48]. No caso, a SK Broadband, operadora de telecomunicações local, entrou com ação contra a Netflix requerendo desta o compartilhamento dos custos da rede de dados após incremento repentino na demanda, com base na legislação do país. No decorrer do litígio, a fim de mitigar a cobrança, a OTT migrou parcela considerável de seus equipamentos para países vizinhos, tais como data centers, consequentemente deteriorando a qualidade do serviço para os consumidores sul-coreanos.
O risco de fragmentação da Internet ganha, assim, relevância crescente nos principais fóruns de governança mundial. No âmbito das discussões mais recentes do Internet Governance Forum[49], a ameaça foi apresentada nos seguintes termos: “[...] Divergências na estrutura da Internet podem levar a fragmentação capaz de colocar em perigo a conectividade e reduzir a funcionalidade e o valor da Internet. Uma vasta gama de fatores políticos, econômicos e técnicos podem potencialmente ensejar a fragmentação”.
Considerada a multidimensionalidade do tema, que abarca desde concepções existenciais da Internet até a liberdade contratual de agentes privados, tem-se que a assimetria de incentivos entre os vários elos da cadeia de valor digital teria o potencial de ocasionar distorções alocativas com efeitos tanto na manutenção quanto na expansão da rede. Seja em termos de montante ou de destinação dos investimentos, um déficit no custeio da infraestrutura de comunicação ameaçaria o desenvolvimento do ecossistema como um todo.
A complexidade setorial, contudo, não permite a antecipação de qualquer posicionamento sem um levantamento extenso de evidências que comprovem e, em caso positivo, mensurem esse eventual desequilíbrio estrutural. Cuida-se, assim, de buscar um diagnóstico entre argumentos e subsídios, na maior parte das vezes, conflitantes.
Box 26 - Pergunta 54
Box 26: Expansão e sustentabilidade das redes.
Pergunta-se:
54) Para desenvolver o tema de maneira adequada, faz-se necessário embasar o tema, preferencialmente, por meio da identificação e levantamento de dados concretos, incluindo os novos atores do ecossistema digital, que sejam capazes de apontar com precisão o efetivo estado de equilíbrio ou desequilíbrio entre os investimentos efetuados e cabíveis a cada agente do ecossistema digital frente à necessidade de expansão e de sustentabilidade da infraestrutura de rede. Mais ainda, tais dados devem, oportunamente, ser capazes de ilustrar apropriadamente o comportamento das teorias econômicas subjacentes. Sendo assim, trata-se, aqui, de um problema de precificação ou de um problema do caroneiro? Considerando-se o mercado brasileiro apenas, apresente fatos à respeito da presente questão.
Tema 5 - 5.1.5 Debate internacional sobre o tema
5.1.5 Debate internacional sobre o tema
A presente discussão tampouco possui resposta definitiva na cena internacional, apesar da crescente atenção dedicada por governos e organizações internacionais ao tema. Deste modo, o momento de prospecção em que se encontra o Brasil alinha-se ao status global. A variedade de abordagens mundiais no endereçamento preliminar da questão pode ser aproveitada como rico subsídio no exercício.
A controvérsia não é observada somente entre diferentes países, mas também entre diferentes entidades de um mesmo país ou região. Ilustrativamente, no contexto europeu, onde o debate se encontra mais avançado, os vários atores divergem acerca do encaminhamento mais adequado: ao passo que o Parlamento, a Comissão e o Conselho Europeus divulgaram declaração conjunta acerca dos “Direitos Digitais e Princípios para a Década Digital”, que prevê que “todos os agentes do mercado que se beneficiam da transformação digital assumam sua responsabilidade social e façam uma contribuição justa e proporcional para o custeio de bens, serviços e infraestruturas públicos, para o benefício de todos os habitantes da UE”[49]; o Body of European Regulators for Electronic Communications – BEREC vem apresentando ressalvas em relação à proposta de contribuição da parte das plataformas, apontando a (i) inexistência de evidências que suportem a tese do caroneiro e o (ii) diagnóstico de que os custos da conectividade são adequadamente cobertos pelos assinantes do serviço[50].
Destaca-se que, mesmo no mercado norte-americano, tradicionalmente marcado pela prevalência da liberdade negocial, regulador e legislativo questionam o atual modelo de financiamento do serviço universal, com a sinalização de participação das denominadas “big techs” no financiamento dessa infraestrutura[51]. Tal guinada é simbólica dos contornos de relevância assumidos pela questão.
Dado o exposto, apesar da dificuldade inerente ao debate da temática, a digitalização da sociedade, transversal em suas várias esferas, exige do regulador o entendimento das dinâmicas do ecossistema digital, permitindo a implementação das salvaguardas e remédios, de modo suficientemente tempestivo, que fomentem e garantam a realização plena das oportunidades econômico-sociais abertas pela inovação.
Tema 5 - Subtema 5.1
5.2 Subtemas, Hipóteses de Problema, Objetivos e Alternativas preliminares
Subtema 5.1: Impactos na manutenção da infraestrutura de telecomunicações
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Hipótese de Problema
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Existência de um déficit estrutural entre receitas e custos da infraestrutura de telecomunicações, decorrente de falhas no relacionamento entre prestadoras de serviços de telecomunicações e grandes usuários, que enseja riscos à sustentabilidade da oferta de conectividade.
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Objetivos
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A presente ação tem por objetivo endereçar eventual falha estrutural no custeio da rede, com vistas à preservação da infraestrutura de conectividade.
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Alternativas preliminares
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Alternativa A – Manutenção da estrutura atual (Status quo).
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Alternativa B – Flexibilização do modelo de negócio das operadoras de rede, com vistas a permitir maior liberdade de oferta e, consequentemente, maior poder de barganha para os detentores da infraestrutura de telecomunicações.
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Alternativa C – Remuneração pelo uso da rede por todas as plataformas digitais.
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Alternativa D – Remuneração pelo uso da rede por um conjunto delimitado de plataformas digitais.
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Alternativa E – Obrigação de contribuir para fundo de conectividade por parte de todas as plataformas digitais.
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Alternativa F – Obrigação de contribuir para fundo de conectividade por parte de um conjunto delimitado de plataformas digitais.
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Alternativa G – Aperfeiçoamento do sistema de solução de controvérsias entre agentes de diferentes elos da cadeia de valor digital.
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Contexto do problema
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As receitas e os custos do setor de telecomunicação apresentam tendências divergentes, com declínio do faturamento em paralelo a um incremento dos dispêndios. O déficit em questão não apresenta sinais de arrefecimento e, em realidade, a introdução de novas tecnologias, tanto de rede quanto aplicação, implicaria uma pressão ainda maior sobre a infraestrutura.
Da perspectiva dos prestadores de telecomunicação, as plataformas digitais possuem participação direta no comportamento de ambos os indicadores. Tais agentes denunciam uma drenagem indevida de valor em direção aos serviços OTT, uma vez que, apesar de suas ofertas serem sustentadas pela camada de conectividade, não haveria uma contrapartida devida intersetorialmente.
Tal desequilíbrio estrutural, em confirmado seu agravamento, poderia colocar em risco a sustentabilidade do negócio de telecomunicações e, por conseguinte, de todo o ecossistema digital.
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Box 27 - Pergunta 55
Box 27: Avaliação do subtema, a hipótese de problema, os objetivos e alternativas elencadas.
Pergunta-se:
55) As hipóteses de problema, objetivos, e alternativas estão corretamente definidas para o subtema acima? Se sim, que dados e evidências corroboram sua afirmativa? Se não, que dados e evidências indicam que a hipótese de problema, objetivos, ou alternativas devem ser revistos ou mesmo excluídos? Justifique sua resposta com dados e análises quantitativas
Tema 5 - Subtema 5.2
Subtema 5.2: Impactos na expansão da infraestrutura de telecomunicações.
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Hipótese de Problema
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Distorção dos incentivos no trade-off entre recursos para investimento em capacidade ou expansão da rede, levando a resultados socialmente insatisfatórios.
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Objetivos
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A presente ação tem por objetivo orientar o investimento na infraestrutura de conectividade, a fim de mitigar a brecha digital.
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Alternativas preliminares
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Alternativa A – Manutenção da estrutura atual (Status quo).
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Alternativa B – Flexibilização do modelo de negócio das operadoras de rede, com vistas a permitir maior liberdade de oferta e, consequentemente, maior poder de barganha para os detentores da infraestrutura de telecomunicações.
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Alternativa C – Remuneração pelo uso da rede por todas as plataformas digitais.
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Alternativa D – Remuneração pelo uso da rede por um conjunto delimitado de plataformas digitais.
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Alternativa E – Obrigação de contribuir para fundo de conectividade por parte de todas as plataformas digitais.
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Alternativa F – Obrigação de contribuir para fundo de conectividade por parte de conjunto delimitado das plataformas digitais.
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Alternativa G – Aperfeiçoamento do sistema de solução de controvérsias entre agentes de diferentes elos da cadeia de valor digital.
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Contexto do problema
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As plataformas digitais orientam a demanda de dados e, por consequência, podem afetar os investimentos na rede. Em face de um desequilíbrio no poder de barganha entre prestadoras de serviços de telecomunicações e grandes conglomerados digitais, a favor dos últimos, a autonomia dos detentores de infraestrutura é prejudicada.
A fim de prover vazão a aplicações crescentemente intensivas no uso de dados, os prestadores de conectividade acabam tendo de privilegiar o aumento da capacidade, típica de centros urbanos, em lugar da expansão da cobertura para áreas desassistidas ou de atendimento precário, dado os limites da capacidade financeira de cada prestadora.
Haveria, assim, uma percepção compartilhada entre os operadores de rede, independente do porte, quanto à existência de lacunas na cobertura, em especial nas áreas rurais e mais remotas, apesar dos incentivos regulatórios por parte da Anatel e das políticas públicas de massificação do acesso/conectividade (tais como compromissos editalícios, TAC, estabelecimento de ODF em processos sancionatórios, aplicação dos recursos do FUST, entre outros).
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Box 28 - Pergunta 56
Box 28: Avaliação do subtema, a hipótese de problema, os objetivos e alternativas elencadas.
Pergunta-se:
56) As hipóteses de problema, objetivos, e alternativas estão corretamente definidas para o subtema acima? Se sim, que dados e evidências corroboram sua afirmativa? Se não, que dados e evidências indicam que a hipótese de problema, objetivos, ou alternativas devem ser revistos ou mesmo excluídos? Justifique sua resposta com dados e análises quantitativas.
Tema 6 - 6.1 Contextualização do Tema 6.1.1 Discussões sobre transparência
Tema 6: Desequilíbrio entre os distintos agentes do ecossistema digital quanto a medidas de transparência e outras obrigações regulatórias
6.1 Contextualização do Tema
O presente tema tem como objetivo discutir eventuais desequilíbrios entre os distintos agentes do ecossistema digital, em especial relacionados a transparência entre os agentes desse ecossistema e com os reguladores, além de eventuais desequilíbrios regulatórios gerais. A seguir são apresentadas as discussões sobre o tema, apontando eventuais contribuições e argumentos recebidos na Tomada de Subsídios nº 13/2023.
6.1.1 Discussões sobre transparência
As contribuições advindas da Tomada de Subsídios nº 13/2023 sugerem que os diferentes níveis de transparência adotados pelos dois grupos de agentes do ecossistema digital podem implicar desincentivos à cooperação entre eles, impactos negativos na gestão e no planejamento de expansão das redes, bem como prejuízo ao órgão regulador para uma tomada de decisões baseada em evidências.
A falta de transparência dos denominados “grandes usuários” é apontada com mais frequência tanto no compartilhamento de informações com o órgão regulador (por exemplo, base de clientes, volume de tráfego e dados financeiros), quanto com os operadores de rede (por exemplo, uso de cache e tecnologias de compressão). Contudo, há também indicação de que o compartilhamento de informações operacionais, por parte dos operadores de rede com estes “grandes usuários”, traria vantagens.
Depreende-se das contribuições que a assimetria informacional entre os agentes do ecossistema regulados digital é mais crítica nos aspectos operacionais, embora outros aspectos tenham sido citados, como uso indevido da rede, de seus recursos e dos próprios serviços e avanços tecnológicos.
Um ambiente de cooperação pleno em todos estes assuntos, pressupondo um alto nível de transparência, permitiria o uso racional, eficiente e otimizado dos recursos de rede e um ecossistema digital equilibrado e adaptável a novas tecnologias e demandas de mercado, com mais eficiência e crescimento. Poder-se-ia, por exemplo, evitar sobrecargas em partes da rede e a degradação da qualidade, aumentar a segurança e a estabilidade do serviço. Adicionalmente, considera-se que eventual degradação ou serviço com qualidade inadequada repercute tanto nos agentes do ecossistema digital quanto no órgão regulador.
Box 29 - Pergunta 57
Box 29: Medidas de Transparência.
Pergunta-se:
57) Quais informações poderiam ser compartilhadas pelos “grandes usuários” da rede com os operadores de rede? Quais as vantagens ou implicações positivas deste compartilhamento? Há informações ou análises que comprovem os efeitos positivos?
Box 29 - Pergunta 58
58) Quais informações poderiam ser compartilhadas pelos operadores de rede com os “grandes usuários” da rede? Quais as vantagens ou implicações positivas deste compartilhamento? Há informações ou análises que comprovem os efeitos positivos?
Tema 6 - 6.1.2 Discussões sobre compartilhamento de informações
6.1.2 Discussões sobre compartilhamento de informações
Um primeiro questionamento que se coloca é se o compartilhamento de informações, em seus aspectos técnicos (por exemplo, definição de protocolos, guarda de dados, controle de acesso, descarte de dados, entre outros), deve ocorrer com a intermediação do órgão regulador, de uma entidade criada com esta finalidade ou diretamente entre as partes.
No que diz respeito à insuficiência de compartilhamento de informações por parte dos "grandes usuários” com o órgão regulador, o fato potencialmente implica dificuldades e ineficiência na tomada de decisão e diagnóstico dos problemas, no fomento de um ecossistema competitivo e sustentável e na proteção ao consumidor. Há ainda a percepção, por parte da maioria dos contribuidores na Tomada de Subsídios nº 13/2023, de que nem a Anatel nem outros órgãos reguladores do Brasil teriam competência legal para tratar da transparência no contexto do ecossistema digital, o que dificulta ou impede este compartilhamento de informações.
O acesso a informações operacionais dos principais agentes do ecossistema digital poderia favorecer a concorrência e mitigar a dominância nos mercados do ecossistema. O acesso transversal aos dados de todos os agentes deste novo ecossistema digital permitiria a adoção de medidas voltadas a melhorias de acessibilidade, interoperabilidade, confiabilidade e segurança das plataformas, bem como possibilitaria mais eficiência na moderação de conteúdo online, advindas de solicitações judiciais de remoções de conteúdo.
Um maior nível de transparência pode beneficiar os consumidores, no mínimo, nas seguintes hipóteses: mais informações na oferta de serviços e no momento da contratação, especialmente nos termos dos contratos, promovendo uma escolha consciente e identificação dos limites entre a prestação dos serviços de telecomunicações e os de SVA; maior controle sobre o tráfego de dados, separando o volume originado na prestação de serviço direta do que é veiculação de propaganda; mais informações sobre seus direitos, inclusive o de cobrar do fornecedor por eventuais falhas e por melhorias no serviço; e condições mínimas para se mitigar eventual tratamento discriminatório.
Box 30 - Pergunta 59
Box 30: Compartilhamento de informações.
Pergunta-se:
59) Quais informações poderiam ser compartilhadas pelos “grandes usuários” da rede com o órgão regulador? Quais as vantagens ou implicações positivas deste compartilhamento? Há informações ou análises que comprovem os efeitos positivos?
Tema 6 - 6.1.2 (cont.)
A Resolução nº 693, de 17 de julho de 2018, alterou o Regulamento de Serviços de Telecomunicações (RST), aprovado pela Resolução nº 73, de 25 de novembro de 1998, para introduzir novo dispositivo como medida para fomento da transparência e aperfeiçoamento da regulação:
Art. 64-A É assegurado aos interessados o uso das redes de serviços de telecomunicações para prestação de serviços de valor adicionado, em regime de livre pactuação, e de forma isonômica e não discriminatória, nos termos do art. 61 da Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997, observados os princípios e fundamentos da Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014, e do Decreto nº 8.771, de 11 de maio de 2016.
§ 1º Eventuais conflitos no relacionamento previsto no caput serão dirimidos pela Anatel.
§ 2º A Anatel poderá solicitar a qualquer tempo cópia dos contratos que materializem o relacionamento previsto no caput.
Os temas 2 e 3 elencados nesta avaliação preliminar já cobrem as questões relativas à necessidade de evidências para uma atuação adequada do órgão regulador, assimetria de obrigações regulatórias entre os diferentes agentes do ecossistema digital, a adequação da atuação do órgão regulador, proteção ao consumidor e uso de franquia de telefonia móvel para exposição de publicidade.
Assim, em relação ao tema desequilíbrio entre os distintos agentes do ecossistema digital quanto a medidas de transparência, será destacado como objeto de estudo nas hipóteses de problema aqui discutidas em relação a falta de transparência dos agentes do ecossistema digital, em especial dos “grandes usuários”.
Tema 6 - 6.1.3 Diferentes agentes no ecossistema digital com diferentes obrigações
6.1.3 Diferentes agentes no ecossistema digital com diferentes obrigações
Na Tomada de Subsídios nº 13/2023 foram várias contribuições com origem em diferentes segmentos interessados, com maior participação de instituições ligadas de alguma forma com os temas “telecomunicações” e “Internet”. A expressão “assimetria regulatória” apareceu em várias contribuições espalhadas em diversos temas.
Em função da relevância do tema, se tornou imperativo, então, aprofundar o conhecimento sobre o seu alcance, pois, de forma geral, o termo vem sendo utilizado nem sempre com a companhia de uma visão prática sobre o que se está falando. Afinal, o que torna essa relação assimétrica?
Sendo assim, buscamos visualizar alguns pontos da regulação das telecomunicações, fundamentados pela própria regulamentação do setor e que de alguma forma podem contribuir para o desequilíbrio na balança competitiva. Aborda-se, portanto, o “dever de informação”, as “metas de qualidade” e as “contribuições para os fundos setoriais” como exemplos desse desequilíbrio. Não pretende a presente análise esgotar as obrigações existentes, mas apenas abordar alguns exemplos para o esclarecimento das assimetrias regulatórias.
6.1.3.1 Dever de informação
Nesse sentido, com o objetivo de permitir uma visualização mais concreta sobre a assimetria informacional, cabe demonstrar alguns exemplos práticos de dispositivos regulamentares que disciplinam obrigações de informação às prestadoras dos serviços de telecomunicações.
Dentre os deveres regulatórios previstos para as empresas de telecomunicações e que não se aplicam às provedoras de SVA, há o dever de informação aos consumidores, como o dever das prestadoras do serviço de TV por assinatura de informar, em suas páginas na Internet, os canais de programação e as condições de contratação de todos os planos de serviço comercializados e seus respectivos preços, conforme previsão do art. 49, §3º do Regulamento do SeAC, aprovado pela Resolução nº 581, de 26 de março de 2012:
Regulamento do SeAC
Art. 49. O Plano Básico é de oferta obrigatória e deve estar sempre disponível, de forma onerosa, a todos os Assinantes dentro de todas as Áreas de Abrangência do Atendimento da Prestadora.
(...)
§ 3º A Prestadora deverá informar de forma clara, em sua página na internet e em outro meio de fácil acesso, os canais de programação e as condições de contratação de todos os planos de serviço comercializados e seus respectivos preços.
Em seu art. 73, o Regulamento do SeAC define um rol de obrigações das prestadoras do SeAC. No que tange o dever de informação aos assinantes, estão contempladas obrigações de informação técnica sobre os equipamentos envolvidos na prestação do serviço, assim como instruções sobre instalação e operação.
Regulamento do SeAC
Art. 73. Constituem obrigações da Prestadora do serviço, sem prejuízo do disposto na legislação aplicável:
I– - tornar disponíveis ao Assinante informações sobre características e especificações técnicas das unidades receptoras decodificadoras, necessárias à sua conexão com a rede;
(...)
VII– - informar ao Assinante sobre as instalações do sistema de recepção dos canais de programação de radiodifusão de sons e imagens disponível no domicílio ou outros meios para recebimento desses canais de programação, e a correta operação dos equipamentos necessários para a fruição da programação da televisão aberta;
(...)
IX– - manter a Anatel informada quanto à identificação das entidades contratadas para o provimento de redes de telecomunicações utilizadas na prestação do serviço;
(...)
XIX– - prestar, a qualquer tempo, informações solicitadas pela Agência;
Como visto, o rol do art. 73 também disciplina sobre as exigências de informação ao órgão regulador.
O Regulamento Geral de Outorgas (RGO), aprovado pela Resolução 720, de 10 de fevereiro de 2020), por sua vez, prevê que para explorar serviços de telecomunicações de interesse coletivo, as empresas deverão instruir o processo de autorização com informações e os documentos necessários para comprovação de habilitação jurídica, qualificação técnica e qualificação econômico-financeira, conforme descrito em documento anexo ao regulamento. A autorização para exploração de serviços de telecomunicações só é expedida após a verificação da regularidade fiscal e do preenchimento das condições para prestação do serviço.
Regulamento de Outorgas
Art. 7º O interessado em explorar serviços de telecomunicações deve requerer autorização à Anatel por meio de formulário eletrônico próprio, constante de sistema informatizado da Agência.
(...)
§ 2º O requerimento para explorar serviços de telecomunicações de interesse coletivo deverá ser instruído eletronicamente com as informações e os documentos necessários para comprovação de habilitação jurídica, qualificação técnica e qualificação econômico-financeira, conforme descrito no Anexo a este Regulamento.
Isto, de acordo com o Anexo ao RGO em vigor, implica em informar desde dados básicos como razão social, endereço e inscrição no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ) até o ato constitutivo da sociedade, suas alterações, e a composição societária, dados que estarão sujeitos à verificação por toda a vigência da prestação do serviço.
O Regulamento do Serviço Móvel Pessoal (RSMP), aprovado pela ???Resolução nº 477, de 7 de agosto de 2007, também impõe vários deveres de informação às prestadoras. Muitos são voltados à orientação aos usuários. Mas há também o dever genérico de esclarecimentos às solicitações do órgão regulador, assim como a exigência específica da publicação anual dos seus balanços e demonstrações financeiras.
Regulamento do Serviço Móvel Pessoal
Art. 10. Além das outras obrigações decorrentes da regulamentação editada pela Anatel e aplicáveis a serviços de telecomunicações e, especialmente, ao SMP, constituem deveres da prestadora:
(...)
XII– - apresentar à Anatel todos os esclarecimentos e informações por ela solicitados;
(...)
XVI– - publicar anualmente, independente do regime jurídico a que esteja sujeita, balanço e demonstrações financeiras levantadas ao final de cada exercício social, observadas as disposições da legislação vigente e da regulamentação da Anatel;
Na telefonia e banda larga móvel, há ainda a obrigação de fornecimento das informações sobre os usuários constantes de sua base cadastral e necessárias à prestação de serviços a outras prestadoras dos serviços de telecomunicações e a terceiros interessados. E, essas mesmas informações devem ser fornecidas às autoridades competentes sempre que estas as requisitarem (a telefonia fixa possui obrigações semelhantes).
Regulamento do Serviço Móvel Pessoal
Art. 12. A Prestadora do SMP deve fornecer a outras prestadoras de serviços de telecomunicações, as informações sobre os Usuários, constantes de sua base cadastral e necessárias à prestação de serviços.
(...)
§ 2º A regulamentação pode estender o direito previsto no caput a terceiros legitimamente interessados, que necessitem das informações para a realização de atividade vinculada, direta ou indiretamente, ao serviço.
Art. 13. Sempre que formalmente requisitada, a Prestadora deve fornecer as informações referidas no caput do art. 12 às autoridades legalmente investidas de poder requisitório.
Além dos deveres de informação aos usuários e demais prestadoras, inseridos no bojo de sua regulamentação, o dever de informar na telefonia fixa advém da própria LGT, como se vê:
Lei Geral de Telecomunicações
Art. 96. A concessionária deverá:
I– - prestar informações de natureza técnica, operacional, econômico-financeira e contábil, ou outras pertinentes que a Agência solicitar;
(...)
O Regulamento do Serviço de Comunicação Multimídia (RSCM), aprovado pela Resolução nº 614, de 28 de maio de 2013, é categórico ao disciplinar sobre a obrigação de informar:
Regulamento do SCM
Art. 47. Sem prejuízo do disposto na legislação aplicável, as Prestadoras de SCM têm a obrigação de:
(...)
II– - apresentar à Anatel, na forma e periodicidade estabelecidas na regulamentação e sempre que regularmente intimada, por meio de sistema interativo disponibilizado pela Agência, todos os dados e informações que lhe sejam solicitados referentes ao serviço, inclusive informações técnico-operacionais e econômico-financeiras, em particular as relativas ao número de Assinantes, à área de cobertura e aos valores aferidos pela Prestadora em relação aos parâmetros e indicadores de qualidade;
Logo se vê que o arcabouço regulatório exige das empresas reguladas a abertura de uma série de informações importantes, de cunho técnico, operacional, societário, econômico e financeiro. E, como se pode constatar, a exigência de informar não se restringe a determinações principiológicas e normas gerais. Muito além disso, ela permeia todo o normativo regulatório dos serviços de telecomunicações, muitas vezes com indicação de quais informações e de que forma devem ser veiculadas.
Assim, no decorrer dos anos de regulação dos mercados de telecomunicações, foi criado um cenário em que as regras fornecem as bases para a disputa igualitária entre as empresas de telecomunicações, garantindo a amplitude de informações necessárias para o alcance da transparência nas relações nesses mercados.
Com a chegada das plataformas digitais e a constatação da sobreposição dos serviços que prestam nos mercados de telecomunicações, vários questionamentos emergem, como era de se esperar, inclusive na seara informacional. Afinal, se toda essa construção aqui evidenciada, que permite o conhecimento detalhado de informações e que são vitais para o correto acompanhamento dos mercados envolvidos, não é aplicada para empresas que competem nesses mercados, como garantir o equilíbrio?
Desse modo, deve-se levar em consideração que há uma relevante assimetria informacional em torno dos agentes envolvidos na medida em que nos deparamos com mercados onde em que parte dos competidores são obrigados a dispor informações definidas previamente e outra parte não.
6.1.3.2 As metas de qualidade
A regulação do setor de telecomunicações envolve também a busca pela excelência na prestação dos serviços. Sendo assim, a qualidade do serviço é cobrada e acompanhada através por meio de índices e indicadores específicos, que buscam medir e informar o nível de qualidade dos serviços ofertados aos consumidores.
O Regulamento de Qualidade dos Serviços de Telecomunicações (RQUAL), aprovado pela Resolução nº 717, de 23 de dezembro de 2019, entrou totalmente em vigor em março de 2022– em substituição aos regulamentos anteriores que eram separados por serviço – e se aplica aos serviços de telefonia fixa, telefonia e banda larga móvel, banda larga fixa e TV por assinatura.
O normativo abrange as empresas pertencentes a grupos que não se caracterizam como Prestadoras de Pequeno Porte (PPPs), ou seja, detentores de Participação de Mercado Nacional inferior a 5% (cinco por cento) em cada mercado de varejo em que atuam, e as PPPs que fizerem adesão voluntária aos novos regramentos.
O RQUAL definiu o termo “qualidade” com base em conceitos adotados internacionalmente, em especial, as definições da International Organization for Standardization (ISO) e da União Internacional de Telecomunicações (UIT):
- "Qualidade: a totalidade de características de uma prestadora que lhe conferem sua habilidade de satisfazer necessidades explícitas e implícitas de seus consumidores"
O sistema criado pelo RQUAL é composto por índices de qualidade do serviço, de qualidade percebida e de reclamações, prevê uma Entidade de Suporte à Aferição da Qualidade (ESAQ) custeada pelas prestadoras, um Grupo Técnico (GT-QUAL) e a consolidação e divulgação anual de selos de qualidade.
Figura 8 - Aferição da Qualidade - RQUAL
Fonte: ANATEL. Dados RQUAL - Regulamento de Qualidade. Acesso em 18/10/2023.
Abaixo, segue reprodução das tabelas constantes no Anexo I do RQUAL com a relação dos indicadores que compõem cada índice.
Tabela 2 - Indicadores de qualidade que compõem o Índice de Qualidade do Serviço (IQS) e serviços que abrangem.
Tabela 3 - Indicadores Informativos e serviços que abrangem.
Tabela 4 - Indicadores de qualidade que compõem o Índice de Reclamações do Usuário (IR) e serviços que abrangem.
Os índices, calculados com base em indicadores objetivos, promovem a busca positiva pela excelência por meio da com base na divulgação dos selos de qualidade. As aferições podem resultar também em aplicação de sanções por descumprimentos específicos previstos no regulamento.
Importa então frisar que esta previsão regulatória de metas de qualidade definida para as prestadoras de telecomunicações não se aplica às provedoras de SVA, uma vez que estas, naturalmente, não prestam serviços de telecomunicações. Porém, se é possível inferir que um SVA esteja competindo diretamente com um serviço de telecomunicações – independentemente das naturezas - é fato que o primeiro está livre dos encargos que vêm sendo suportados pelo segundo e não sofre a mesma pressão externa por nível de qualidade dos serviços prestados.
Não se faz aqui juízo sobre a adequação ou inadequação desta realidade, o intuito é tão somente explicitá-la por meio da via uma análise concreta da regulação, visando esclarecer algumas das diferenças que dão ensejo à expressão “assimetria regulatória”.
6.1.3.3 Contribuições a Fundos Setoriais
A Anatel arrecada valores das prestadoras dos serviços de telecomunicações por meio de instrumentos como a Taxa de Fiscalização de Instalação (TFI), a Taxa de Fiscalização de Funcionamento (TFF) e contribuições específicas. Essas arrecadações vão para fundos setoriais como o Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações (FUNTTEL), o Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (FISTEL), e o Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (FUST).
O FUNTTEL é um fundo que se destina a estimular o processo de inovação tecnológica, incentivar a capacitação de recursos humanos, fomentar a geração de empregos e promover o acesso de pequenas e médias empresas a recursos de capital, de forma a ampliar a competitividade da indústria brasileira de telecomunicações. Criado pela Lei n° 10.052, de 18 de novembro de 2000 e regulamentado pelo Decreto n° 3.737, de 30 de janeiro de 2001, sua alíquota é de 0,5% e incide sobre a receita das empresas prestadoras do serviço de telecomunicações.
A TFI e a TFF compõem o FISTEL, criado pela Lei nº 5.070, de 7 de julho de 1966 e alterado posteriormente pela Lei Geral de Telecomunicações. A TFI é paga pelas prestadoras de serviços de telecomunicações quando da emissão de certificado de licença para o funcionamento das estações e o valor, a ser fixado pela Anatel. Já a TFF deve ser paga anualmente e corresponde a 50% (cinquenta por cento) do valor consignado na TFI, incidindo sobre todas as estações licenciadas até o dia 31 de dezembro do ano anterior.
O FUST, por sua vez, criado pela Lei n° 9.998, de 17 de agosto de 2000 e reestruturado recentemente pela Lei nº 14.173, de 15 de junho de 2021, regulamentado originalmente pelo Decreto n° 3.624, de 5 de outubro de 2000, e mais recentemente pelo Decreto nº 11.004, de 21 de março de 2022é um Fundo com as finalidades de estimular a expansão, o uso e a melhoria da qualidade das redes e dos serviços de telecomunicações, reduzir as desigualdades regionais e estimular o uso e o desenvolvimento de novas tecnologias de conectividade para promoção do desenvolvimento econômico e social. A alíquota cobrada é de 1% sobre a receita operacional bruta de cada mês civil, decorrente da prestação de serviços de telecomunicações.
Além destes, ainda há a Contribuição para o Fomento da Radiodifusão Pública (CFRP), voltada para a melhoria da radiodifusão pública e a Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine), que obriga o pagamento às prestadoras de telecomunicações, mas cuja cobrança e fiscalização são de responsabilidade da Ancine.
Ainda que gerem muita discussão, principalmente quanto à destinação dos recursos, os supracitados Fundos são importantes pois constituem um aporte financeiro que pode ser revertido para investimentos no setor. O recolhimento é obrigatório e somente alcança as prestadoras de telecomunicações. De acordo com a Conexis Brasil Digital, desde 2001, os cinco Fundos setoriais arrecadaram R$ 231 bilhões.
Tema 6 - Subtema 6.1
6.2 Subtemas, Hipóteses de Problema, Objetivos e Alternativas preliminares
Subtema 6.1: Desequilíbrio entre os operadores de rede e grandes usuários quanto a medidas de transparência.
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Hipótese de Problema preliminar
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Gestão ineficiente dos recursos de rede, em especial no planejamento, em razão de assimetria informacional entre operadores de rede de telecomunicações e seus “grandes usuários”, incluindo dados de previsão de demanda.
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Objetivos
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A presente ação tem por objetivo promover maior compartilhamento e transparência de informações operacionais por grandes usuários provedores de SVA, com outros agentes da cadeia de valor, impactando positivamente na gestão e expansão das redes de telecomunicações.
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Alternativas preliminares
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Alternativa A – Manutenção da estruturação atual (Status quo)
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Alternativa B – Previsão, na regulamentação, de informações mínimas que devem ser tornadas públicas ou compartilhadas pelos “grandes usuários” das redes de telecomunicações.
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Alternativa C – Análise das reclamações e evidências de impactos negativos da falta de compartilhamento de informações pelos “grandes usuários” das redes de telecomunicações e atuação nos casos concretos para mitigar esses impactos.
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Alternativa D – Incentivo à elaboração de proposta consensual de adoção de boas práticas de compartilhamento de informações entre operadores de rede de telecomunicações e seus “grandes usuários”, analisando posteriormente a efetividade da solução.
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Contexto do problema
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As contribuições advindas da Tomada de Subsídios nº 13/2023 sugerem que os diferentes níveis de transparência adotados pelos dois grupos de agentes do ecossistema digital podem implicar desincentivos à cooperação entre eles, impactos negativos na gestão e no planejamento de expansão das redes, bem como prejuízo ao órgão regulador para uma tomada de decisões baseada em evidências.
A falta de transparência dos denominados “grandes usuários” é apontada com mais frequência tanto no compartilhamento de informações com o órgão regulador (por exemplo, base de clientes, volume de tráfego e dados financeiros), quanto com os operadores de rede (por exemplo, uso de cache e tecnologias de compressão). Contudo, há também indicação de que o compartilhamento de informações operacionais, por parte dos operadores de rede com estes “grandes usuários”, traria vantagens.
Depreende-se das contribuições que a assimetria informacional entre os agentes do ecossistema regulados digital é mais crítica nos aspectos operacionais, embora outros aspectos tenham sido citados, como uso indevido da rede, de seus recursos e dos próprios serviços e avanços tecnológicos.
Um ambiente de cooperação pleno em todos estes assuntos, pressupondo um alto nível de transparência, permitiria o uso racional, eficiente e otimizado dos recursos de rede e um ecossistema digital equilibrado e adaptável a novas tecnologias e demandas de mercado, com mais eficiência e crescimento. Poder-se-ia, por exemplo, evitar sobrecargas em partes da rede e a degradação da qualidade, aumentar a segurança e a estabilidade do serviço. Adicionalmente, considera-se que eventual degradação ou serviço com qualidade inadequada repercute tanto nos agentes do ecossistema digital quanto no órgão regulador.
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Box 31 - Pergunta 60
Box 31: Avaliação do subtema, a hipótese de problema, os objetivos e alternativas elencadas.
Pergunta-se:
60) As hipóteses de problema, objetivos, e alternativas estão corretamente definidas para o subtema acima? Se sim, que dados e evidências corroboram sua afirmativa? Se não, que dados e evidências indicam que a hipótese de problema, objetivos, ou alternativas devem ser revistos ou mesmo excluídos? Justifique sua resposta com dados e análises quantitativas.
Tema 6 - Subtema 6.2
Subtema 6.2: Desequilíbrio e assimetria informacional entre órgão regulador e “grandes usuários” das redes de telecomunicações quanto a medidas de transparência.
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Hipótese de Problema preliminar
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Atuação regulatória baseada em evidências prejudicada, em razão de assimetria informacional entre “grandes usuários” das redes de telecomunicações, provedores de SVA, e o órgão regulador, especialmente quando estes SVA constituem substitutos de serviços de telecomunicações.
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Objetivos
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A presente ação tem por objetivo promover o compartilhamento de informações da prestação dos serviços pelos “grandes usuários” das redes de telecomunicações com o órgão regulador, visando a um acompanhamento efetivo do ecossistema digital, especialmente para garantir a preservação da estabilidade, segurança e funcionalidade da rede, bem como uma tomada de decisões baseadas em evidências.
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Alternativas preliminares
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Alternativa A – Manutenção da estruturação atual (Status quo)
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Alternativa B – Previsão, na regulamentação, de informações mínimas que devem ser tornadas públicas ou compartilhadas de forma periódica com o órgão regulador.
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Alternativa C – Previsão, na regulamentação, de procedimento para coletas informacionais pontuais, para subsídio da atuação regulatória.
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Alternativa D – Estabelecimento de obrigações de informação por meio da definição dos deveres dos usuários, em especial dos “grandes usuários” das redes de telecomunicações, provedores de SVA.
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Contexto do problema
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Um primeiro questionamento que se coloca é se o compartilhamento de informações, em seus aspectos técnicos (por exemplo, definição de protocolos, guarda de dados, controle de acesso, descarte de dados, entre outros), deve ocorrer com a intermediação do órgão regulador, de uma entidade criada com esta finalidade ou diretamente entre as partes.
No que diz respeito à insuficiência de compartilhamento de informações por parte dos "grandes usuários” com o órgão regulador, o fato potencialmente implica dificuldades e ineficiência na tomada de decisão e diagnóstico dos problemas, no fomento de um ecossistema competitivo e sustentável e na proteção ao consumidor. Há ainda a percepção, por parte da maioria dos contribuidores na Tomada de Subsídios nº 13/2023, de que nem a Anatel nem outros órgãos reguladores do Brasil teriam competência legal para tratar da transparência no contexto do ecossistema digital, o que dificulta ou impede este compartilhamento de informações.
O acesso a informações operacionais dos principais agentes do ecossistema digital poderia favorecer a concorrência e mitigar a dominância nos mercados do ecossistema. O acesso transversal aos dados de todos os agentes deste novo ecossistema digital permitiria a adoção de medidas voltadas a melhorias de acessibilidade, interoperabilidade, confiabilidade e segurança das plataformas, bem como possibilitaria mais eficiência na moderação de conteúdo online, advindas de solicitações judiciais de remoções de conteúdo.
Um maior nível de transparência pode beneficiar os consumidores, no mínimo, nas seguintes hipóteses: mais informações na oferta de serviços e no momento da contratação, especialmente nos termos dos contratos, promovendo uma escolha consciente e identificação dos limites entre a prestação dos serviços de telecomunicações e os de SVA; maior controle sobre o tráfego de dados, separando o volume originado na prestação de serviço direta do que é veiculação de propaganda; mais informações sobre seus direitos, inclusive o de cobrar do fornecedor por eventuais falhas e por melhorias no serviço; e condições mínimas para se mitigar eventual tratamento discriminatório.
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Box 32 - Pergunta 61
Box 32: Avaliação do subtema, a hipótese de problema, os objetivos e alternativas elencadas.
Pergunta-se:
61) As hipóteses de problema, objetivos, e alternativas estão corretamente definidas para o subtema acima? Se sim, que dados e evidências corroboram sua afirmativa? Se não, que dados e evidências indicam que a hipótese de problema, objetivos, ou alternativas devem ser revistos ou mesmo excluídos? Justifique sua resposta com dados e análises quantitativas.
Tema 6 - Subtema 6.3
Subtema 6.3: Diferentes agentes do ecossistema digital com diferentes obrigações.
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Hipótese de Problema
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Existência de assimetrias regulatórias que estariam levando a um conjunto de obrigações distintas para os distintos agentes do ecossistema digital.
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Objetivos
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A presente ação tem por objetivo nivelar o quanto possível as obrigações regulatórias dos distintos agentes do ecossistema digital.
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Alternativas preliminares
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Alternativa A – Manutenção da estruturação atual (Status quo)
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Alternativa B– Desregulamentação de obrigações dos serviços de telecomunicações para fomentar um alinhamento regulatório por meio da retirada de regras.
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Alternativa C – Estabelecimento de obrigações, por meio da definição de deveres dos usuários, em especial os grandes usuários provedores de SVAs.
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Contexto do problema
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Os desequilíbrios regulatórios do atual marco legal e regulatório se refletem em um rol distinto de obrigações para os diversos atores no ecossistema digital. De um lado há atores sobre os quais incidem obrigações regulatórias, incluindo relativas a fornecimento de informações e ao tratamento e proteção dos consumidores. Do outro, há atores sobre os quais não há tais regramentos ou apenas obrigações de cunho mais geral, menos detalhadas.
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Box 33 - Pergunta 62
Box 33: Avaliação do subtema, a hipótese de problema, os objetivos e alternativas elencadas.
Pergunta-se:
62) As hipóteses de problema, objetivos, e alternativas estão corretamente definidas para o subtema acima? Se sim, que dados e evidências corroboram sua afirmativa? Se não, que dados e evidências indicam que a hipótese de problema, objetivos, ou alternativas devem ser revistos ou mesmo excluídos? Justifique sua resposta com dados e análises quantitativas.